Lucas, de pouco mais de oito anos, aproveitou-se que se distraíram
dele e ficou para trás, queria andar sozinho por entre os túmulos. Era a
primeira vez que entrara em um cemitério. Não sentia medo, não sentia nada,
além do desejo de aventura. Quer dizer, sentia certo remorso por não estar tão
triste quanto todos esperavam que estivesse, mas era só uma sensação, não sabia
disto, não deste jeito.
Por instantes esqueceu-se do que acontecia e do porque estava ali.
Isso durou pouco, só até chegar ao túmulo onde colocariam o caixão com o corpo
de seu pai. Foi quando, assim de repente se deu conta de que não mais veria seu
pai, nunca mais. Sentiu o que deveria ser tristeza, o que deveria ser o que
todos esperavam que ele sentisse.
Pela primeira vez, ao menos era assim que lembrava, via sua mãe
como estava agora na beira do buraco: rosto lavado pelas lágrimas, olheiras
profundas, que lhe davam a aparência feia, cabelos despenteados, como nunca
vira, nem quando a mãe levantava pela manhã para lhe chamar para a aula.
A mãe, mais do que falando, estava gritando e chorando ao mesmo
tempo, quase não se entendia seu lamento:
— Eu avisei, eu pedi para esse home...
Dizia a mulher indignada:
— ...não vá se metê com arma, homi de Deus. Mas Valdomiro, depois
que se enfiou nessa igreja, virou um jumento. Só ouvia o que o guia dos
jumentos falava.
Rosangela parecia a única pessoa indignada no cortejo fúnebre,
formado por parentes do morto e alguns colegas da empresa onde Valdomiro
trabalhava. Será que todos estavam acostumados com essa vida?
Da igreja do pai, não veio ninguém, nem o pastor.
[Ernande
Valentin do Prado publica no Rua Balsa das 10 às 6tas-feiras]