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05 maio 2017

TRANSPORTE COLETIVO

Ernande Valentin do Prado

Em 2014 atravessei de ônibus e metrô, relativamente vazios, da Lapa até a Tijuca, no Rio de Janeiro, mais ou menos às 18 horas com tanta facilidade que fiquei espantado. Quando comentei com algumas pessoas, disseram que era o milagre econômico da era Lula: todos ou o máximo de pessoas possíveis tinham comprado carro. Parecia verdade. Olhando os ônibus no Rio de Janeiro vi que a maioria que passou por mim, naquela hora e trajeto, estavam relativamente tranquilos na lotação e as ruas cheias de carros, apenas com o motorista.
É a saída individual, cada um tentando resolver seu problema como pode. E, num lugar como o Brasil onde é “cada um por si e Deus contra todos”, como culpar as pessoas?
Não posso deixar de observar que não há solução sustentável individualizada. Ninguém se salva sozinho, acho que tá na bíblia. A solução individual é a única coisa que parece estar ao alcance de cada um. Além disso usar carro não diz respeito apenas a questão do transporte, do transportar-se, da facilidade, da comodidade e do maior conforto, mas do não se sentir tão pobre, do sentir-se empoderado neste mundo de aparências. Lembro da pesquisa de uma conhecida que descobriu que o morador ribeirinho no Amazonas não quer comer frutas da região ou frango criado no quintal, o desejo deles é frango congelado, maçã, morangos. Comer frutas da região ou franco do quintal é sinônimo de pobreza, assim como andar de ônibus é sinônimo de pobreza nas grandes capitais.
No Mato Grosso do Sul, nas visitas domiciliares, pediafrutas para os moradores. Elas estragavam nas árvores e as pessoas não comiam, mas após eu ter interesse, acontecia um estranho fenômeno, as pessoas começavam a valoriza-las. Era mais ou menos assim: se é bom para ele, pode ser bom para eu também. Estranho? Também acho, mas acontecia e não era raro.
Eu ando de ônibus, de bicicleta, a pé, de uber, de taxi e quando conto isso vejo o espanto na cara das pessoas. Primeiro pensam que devo ser muito pobre, para ter que andar de ônibus (coitado, vejo na cara das pessoas, principalmente dos estudantes), depois, quando vão me conhecendo melhor, imaginam que sou exótico. Minha filha também me acha exótico por usar chapéu de palha, então já estou acostumado em parecer exótico.
Usar ônibus ou não, não passa só pela questão de não se sentir pobre ou de se sentir com poderes diante da selvageria do trafego urbano, além da possibilidade de se se vingar no pedestre pela ofensa dos motoristas, que não respeitam, no caso de João Pessoa, faixa de pedestre, nem calçadas. O transporte coletivo no Brasil é péssimo, seja em conforto, limpeza, velocidade e conservação dos carros, perícia e cortesia dos motoristas e principalmente o preço. Como não conheço o transporte de todo Brasil, vou resumir um pouco, falar só dos que conheço: o transporte coletivo em Curitiba e Região Metropolitana e Londrina no Paraná, Vitória e São Mateus, no Espirito Santo, Salvador e Região Metropolitana, na Bahia, entre outras cidades, quase todo Sergipe, Recife em Pernambuco, Natal e Região Metropolitana em Rio Grande do Norte, Porto Alegre e Pelotas no Rio Grande do Sul, Manaus no Amazonas, Belo Horizonte, em Minas Gerais, João Pessoa na Paraíba, Campo Grande no Mato Grosso do Sul, entre outros lugares que faz muito tempo que não vou, são péssimos. Uns mais péssimos, outros menos péssimos, uns mais caros que outros, mas nenhum mais barato.
Algumas destas cidades têm peculiaridades: por exemplo, em salvador os motoristas deixam vendedores ambulantes, músicos e pedintes entrar pela porta da frente. Em Curitiba você quer ir para o lado sul, mas precisa passar antes pelo norte e o sudeste antes de seguir seu caminho, além disso tem uma voz futuristica nos ônibus dizendo para não dar esmola para pedintes (pedinte tem que morrer de fome calado e sem incomodar, nesta cidade). Em João pessoas é preciso se amarrar nas cadeiras ou nos suportes para não ser jogado de um lado para outro ou jogado no chão. Especialmente nas curvas os motoristas fazem questão de acelerar e nas retas fazem questão de frear e sempre da forma mais brusca possível. Já em Aracaju nem se amarrado é possível não ser jogado de um canto para o outro e no chão.
Diante disso, como não pensar em soluções individuais?
Outra característica comum nos transportes coletivos, além do alto custo, da baixa qualidade dos serviços, dos descumprimentos sistemáticos dos horários, de salários miseráveis pagos aos profissionais, do alto lucros dos empresários, é a total falta de sensibilidade com as demandas, queixas e sugestões dos usuários. Não é que os usuários não reclamem, não participem (ou tentem), não façam sugestões de melhorias, é que não são ouvidos e quando são, é para lhes desqualificar as observações (aliás é a mesma coisa nos conselhos de saúde), ou estou exagerando?
Enquanto isso as ruas vão se enchendo de poluição, carros e motoristas cada vez mais lunáticos, destemidos e claro, de engarrafamentos.


[Ernande Valentin do Prado publica no Rua Balsa das 10 às 6tas-feiras]

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