Ernande Valentin do
Prado
Em 2014 atravessei de
ônibus e metrô, relativamente vazios, da Lapa até a Tijuca, no Rio de Janeiro, mais
ou menos às 18 horas com tanta facilidade que fiquei espantado. Quando comentei
com algumas pessoas, disseram que era o milagre econômico da era Lula: todos ou
o máximo de pessoas possíveis tinham comprado carro. Parecia verdade. Olhando
os ônibus no Rio de Janeiro vi que a maioria que passou por mim, naquela hora e
trajeto, estavam relativamente tranquilos na lotação e as ruas cheias de
carros, apenas com o motorista.
É a saída individual,
cada um tentando resolver seu problema como pode. E, num lugar como o Brasil
onde é “cada um por si e Deus contra todos”, como culpar as pessoas?
Não posso deixar de
observar que não há solução sustentável individualizada. Ninguém se salva
sozinho, acho que tá na bíblia. A solução individual é a única coisa que parece
estar ao alcance de cada um. Além disso usar carro não diz respeito apenas a
questão do transporte, do transportar-se, da facilidade, da comodidade e do
maior conforto, mas do não se sentir tão pobre, do sentir-se empoderado neste
mundo de aparências. Lembro da pesquisa de uma conhecida que descobriu que o
morador ribeirinho no Amazonas não quer comer frutas da região ou frango criado
no quintal, o desejo deles é frango congelado, maçã, morangos. Comer frutas da
região ou franco do quintal é sinônimo de pobreza, assim como andar de ônibus é
sinônimo de pobreza nas grandes capitais.
No Mato Grosso do Sul,
nas visitas domiciliares, pediafrutas para os moradores. Elas estragavam nas árvores e as pessoas não comiam, mas após eu ter interesse, acontecia um estranho
fenômeno, as pessoas começavam a valoriza-las. Era mais ou menos assim: se é
bom para ele, pode ser bom para eu também. Estranho? Também acho, mas
acontecia e não era raro.
Eu ando de ônibus, de
bicicleta, a pé, de uber, de taxi e quando conto isso vejo o espanto na cara
das pessoas. Primeiro pensam que devo ser muito pobre, para ter que andar de
ônibus (coitado, vejo na cara das pessoas, principalmente dos estudantes),
depois, quando vão me conhecendo melhor, imaginam que sou exótico. Minha filha
também me acha exótico por usar chapéu de palha, então já estou acostumado em parecer
exótico.
Usar ônibus ou não, não
passa só pela questão de não se sentir pobre ou de se sentir com poderes diante
da selvageria do trafego urbano, além da possibilidade de se se vingar no
pedestre pela ofensa dos motoristas, que não respeitam, no caso de João Pessoa,
faixa de pedestre, nem calçadas. O transporte coletivo no Brasil é péssimo,
seja em conforto, limpeza, velocidade e conservação dos carros, perícia e
cortesia dos motoristas e principalmente o preço. Como não conheço o transporte
de todo Brasil, vou resumir um pouco, falar só dos que conheço: o transporte
coletivo em Curitiba e Região Metropolitana e Londrina no Paraná, Vitória e São
Mateus, no Espirito Santo, Salvador e Região Metropolitana, na Bahia, entre
outras cidades, quase todo Sergipe, Recife em Pernambuco, Natal e Região
Metropolitana em Rio Grande do Norte, Porto Alegre e Pelotas no Rio Grande do
Sul, Manaus no Amazonas, Belo Horizonte, em Minas Gerais, João Pessoa na
Paraíba, Campo Grande no Mato Grosso do Sul, entre outros lugares que faz muito
tempo que não vou, são péssimos. Uns mais péssimos, outros menos péssimos, uns
mais caros que outros, mas nenhum mais barato.
Algumas destas cidades
têm peculiaridades: por exemplo, em salvador os motoristas deixam vendedores
ambulantes, músicos e pedintes entrar pela porta da frente. Em Curitiba você
quer ir para o lado sul, mas precisa passar antes pelo norte e o sudeste antes de
seguir seu caminho, além disso tem uma voz futuristica nos ônibus dizendo para
não dar esmola para pedintes (pedinte tem que morrer de fome calado e sem
incomodar, nesta cidade). Em João pessoas é preciso se amarrar nas cadeiras ou
nos suportes para não ser jogado de um lado para outro ou jogado no chão.
Especialmente nas curvas os motoristas fazem questão de acelerar e nas retas
fazem questão de frear e sempre da forma mais brusca possível. Já em Aracaju
nem se amarrado é possível não ser jogado de um canto para o outro e no chão.
Diante disso, como não
pensar em soluções individuais?
Outra característica
comum nos transportes coletivos, além do alto custo, da baixa qualidade dos
serviços, dos descumprimentos sistemáticos dos horários, de salários miseráveis
pagos aos profissionais, do alto lucros dos empresários, é a total falta de
sensibilidade com as demandas, queixas e sugestões dos usuários. Não é que os
usuários não reclamem, não participem (ou tentem), não façam sugestões de
melhorias, é que não são ouvidos e quando são, é para lhes desqualificar as
observações (aliás é a mesma coisa nos conselhos de saúde), ou estou
exagerando?
Enquanto isso as ruas
vão se enchendo de poluição, carros e motoristas cada vez mais lunáticos,
destemidos e claro, de engarrafamentos.
[Ernande Valentin do Prado publica no Rua Balsa das 10 às
6tas-feiras]