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09 maio 2014

ACONTECIMENTOS SEM IMPORTANCIA

Touca de palhaço - Pintura: Alice Bernini do Prado, 2014.
Ernande Valentin do Prado

Cada dia mais tenho certeza de menos coisas. Por isso não sei, não tenho certeza se este texto tem alguma importância, se alguém vai lhe dar importância ou se alguém vai se importar com ele. São coisas sem importância que vou escutando de bocas aqui e ali. Falas, pensamentos, reflexões pouco refletidas. Mas têm significado ou teve para mim. Talvez tenha algum significado para você também, não sei, mas você poderia me dizer fazendo comentários.
Sei que precisava escrever assim e pela urgência comecei escrevendo no ônibus, depois no ponto de ônibus, na beira da praia, na reunião de Educação Popular em Saúde...

1.   Na reunião de educação popular ouvi Estela dizer: “a educação popular em saúde não é um jeito animado de fazer e só. Não quero ser chamada para animar reuniões que estão sem graça”. Fiquei pensando, o que já pensava antes, que é nisto que querem nos transformar. Alguns se deixam levar logo, outros resistem. Por quê?

2.    Falei o seguinte: “a política nacional de educação popular em saúde não pode ser usada para que o militante se acomode, para que deixe de fazer o que já faz, mas para lhe dar maior respaldo para promover seu fazer.” Mas de fato, quem garante que a PNEPS não foi permitida justamente para desmobilizar os educadores e legitimar um tipo de educação popular em saúde que não seja tão perigosa? A história mostra que as políticas publicas têm esse efeito colateral, quando não é o efeito principal.

3.   No fim da reunião pergunto ao rapaz que faz a segurança da reitoria:
- o senhor passa à noite toda aqui?
- já têm dez meses.
- e consegue dormir de dia?
- as vezes sim, as vezes não, mas quando durmo é um sono incomodado.
Fiquei pensando se aquele povo evoluído sociopoliticamente e espiritualmente, progressistas em seu pensar sobre a emancipação humana e política sabem que o prédio precisa de um segurança durante a noite toda. E que o segurança é um daqueles homens que precisam ser emancipados. Será que alguém pensou no sono incomodado do segurança do lado de fora da sala de reuniões dos educadores?

4.   vi o filme A busca, com o Wagner Moura. A história vai surpreendendo o assistente assim como o personagem vai surpreendendo-se com sua busca. É um filme muito delicado, a trilha sonora e a edição de som criam um clima emocional muito intenso. O trabalho dos atores é outra coisa a se destacar. Pensando no sucesso de alguns filmes do cinema brasileiro, talvez a delicadeza e a vida real destacados neste filme tenha incomodado o grande público que busca só distração. Assim como a postura de certos educadores populares, esse filme incomoda certos públicos. Sei não, talvez seja isso ou talvez não seja nada, como diz um dos personagem do filme Amarelo Manga.

5.   Às vezes me vejo trocando de lugar com as pessoas. Estes dias um companheiro disse que sentia raiva de tal atitude e eu lhe expliquei porque não conseguia sentir. Aí percebi que estávamos trocando de lugar. Geralmente sou eu quem sente raiva e ele que me explica porque não sentir. Pareceu que ele estava me influenciando de um modo muito positivo.

6.   Alice olhando a chuva cair pela janela do coletivo:
- a chuva é transparente...
... não dá para ver...
... mas dá pra imaginar.
Quanta coisa neste mundo não dá para ver, mas dá para imaginar, como o resultado de certas coisas que fazemos hoje, certas decisões que podem se tornar desastres terríveis ou acertos inexpressivos, mas ainda acertos.
Depois, no calçadão, indo ao encontro de Estela, Alice, com surpresa e alegria disse com os lábios cheios de dentes (mas nem tanto):
- seu cabelo é roxo.
Estela respondeu:
- é da cor da flor de sua tiara. Gostou?
- eu adorei. Quero pintar o meu da cor do seu.

7.      Alice do meu lado na mesa de trabalho pinta o gato, vez ou outra olha desconfiada para meus afazeres (que ela acha ser brincadeira – não consegue entender que mexer no computador é o trabalho que sustenta nossa casa). No sorriso falta um dente, mas continua linda, como só podem ser as pessoas em momento especiais.

8.      Estou no computador lendo um PDF: a aventura antropológica e chego a uma conclusão meio perturbadora. Os autores me levam a concluir que a realidade depende da maneira como eu penso sobre ela. É mais ou menos isso: se penso a parede enquanto parede tenho algumas possibilidade de ação, mas se a categoria muda e passo a pensar a parede como muro, muda-se as possibilidades sobre essa realidade. Ao mudar a categoria com que penso sobre algo ou alguém ou algum fato, muda-se a realidade. Isso equivale dizer que a realidade é moldada pelo pensamento a medida que o pensamento é moldado pela realidade. Ou seja, a realidade não é real em si mesma, mas na medida em que penso sobre ela. Larissa na cozinha fazendo café, ouve minhas explicações e dúvidas e diz:
- é isso mesmo, não tinha percebido ainda?
10. Todo dia percebo coisas que ainda não tinha percebido e a vida vai seguindo.

[Ernande Valentin do Prado publica na Rua Balsa das 10 às 6tas-feiras]


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