Ernande Valentin do Prado
Nas últimas
semanas tenho atendido a população no Ligue Coronavírus, um serviço que presta
informações relacionadas ao Coronavírus e ao Covid-19 para os usuários do Sistema
Único de Saúde.
A maioria
das pessoas ligam para conversar sobre sinais e sintomas, geralmente de
conhecidos, parentes e amigos que, segundo elas, não conseguiram ligar.
O trabalho
é cansativo, mas gratificante e aqui quero contar algumas das histórias que
passaram pelos meus atendimentos.
1
Mais ou
menos às 7h15min, recebo a última ligação do plantão, que começara por volta
das 17h30min. O motorista, que pela manhã vem buscar o telefone, já deveria
estar aqui, mas atrasou uns minutos e atendo mais uma ligação.
— Minha mãe está com febre há sete dias,
disse a voz
da filha do outro lado da linha.
— o que eu
faço, já estou desesperada?
— Só um
minuto, eu disse,
e atendi o
outro telefone. Era o motorista.
— Aguarde
dez minutos, por favor, estou no meio de uma ligação.
— Eu só
tenho seis reais de crédito,
disse a
mulher,
— por isso
quero falar bem rápido.
Disse isso
e a ligação caiu.
Imediatamente
procurei no registro do telefone o número dela e liguei. Ela continuou contanto:
— eu sei
que seu plantão está acabando, mas eu estou desesperada.
Era uma
senhora que falava de modo simples, perguntava e aguardava a resposta,
complementava as informações. Um pouco afobada, ansiosa, talvez por já ter
ouvido várias coisas diferentes ou por achar que
estava incomodando, por ser o fim do plantão.
— O atendimento
só termina quando a senhora estiver satisfeita,
eu disse. Ela
agradeceu, visivelmente com a voz entrecortada, emocionada. E essa era uma
característica dela e da maioria das pessoas que atendo, ficam imensamente
agradecidas pelas informações, aliviadas.
— Talvez
ela não tenha conseguido dormir essa noite,
pensava eu
enquanto ouvia e, por mais que o motorista estivesse esperando ou que eu quisesse
dormir, essa era a hora em que eu deveria cumprir o juramento de cuidado, que fiz
em minha formatura.
Segundo as
informações, o único sintoma da mãe era a febre, que ela achava que tinha. Nada
mais. Expliquei os sintomas da Covid-19, os cuidados necessários para prevenir
e o que fazer se a situação mudasse.
“Ouvidamente”
deu para perceber o alívio na voz da mulher. Ela respirou, aspirou o nariz, não
aguentou e chorou, ao mesmo tempo em que continuava verbalizando (ou tentando
verbalizar) seus agradecimentos.
— Muito
obrigado, dorme com Deus, o senhor foi um santo.
Quase
chorei junto com ela ao perceber que naquele fim de plantão pude fazer a
diferença para a vida de alguém. Mais de vinte anos de SUS e ainda consigo me
emocionar, acho que ainda estou no caminho certo.
[Ernande Valentin
do Prado publica na Rua Balsa das 10 às 6tas-feiras]