29 maio 2020

HISTÓRIAS COLHIDAS NO LIGUE CORONAVÍRUS




Ernande Valentin do Prado
Nas últimas semanas tenho atendido a população no Ligue Coronavírus, um serviço que presta informações relacionadas ao Coronavírus e ao Covid-19 para os usuários do Sistema Único de Saúde.
A maioria das pessoas ligam para conversar sobre sinais e sintomas, geralmente de conhecidos, parentes e amigos que, segundo elas, não conseguiram ligar.
O trabalho é cansativo, mas gratificante e aqui quero contar algumas das histórias que passaram pelos meus atendimentos.
1
Mais ou menos às 7h15min, recebo a última ligação do plantão, que começara por volta das 17h30min. O motorista, que pela manhã vem buscar o telefone, já deveria estar aqui, mas atrasou uns minutos e atendo mais uma ligação.
Minha mãe está com febre há sete dias,
disse a voz da filha do outro lado da linha.
— o que eu faço, já estou desesperada?
— Só um minuto, eu disse,
e atendi o outro telefone. Era o motorista.
— Aguarde dez minutos, por favor, estou no meio de uma ligação.
— Eu só tenho seis reais de crédito,
disse a mulher,
— por isso quero falar bem rápido.
Disse isso e a ligação caiu.
Imediatamente procurei no registro do telefone o número dela e liguei. Ela continuou contanto:
— eu sei que seu plantão está acabando, mas eu estou desesperada.
Era uma senhora que falava de modo simples, perguntava e aguardava a resposta, complementava as informações. Um pouco afobada, ansiosa, talvez por já ter ouvido várias coisas diferentes ou por achar que estava incomodando, por ser o fim do plantão.
— O atendimento só termina quando a senhora estiver satisfeita,
eu disse. Ela agradeceu, visivelmente com a voz entrecortada, emocionada. E essa era uma característica dela e da maioria das pessoas que atendo, ficam imensamente agradecidas pelas informações, aliviadas.
— Talvez ela não tenha conseguido dormir essa noite,
pensava eu enquanto ouvia e, por mais que o motorista estivesse esperando ou que eu quisesse dormir, essa era a hora em que eu deveria cumprir o juramento de cuidado, que fiz em minha formatura.
Segundo as informações, o único sintoma da mãe era a febre, que ela achava que tinha. Nada mais. Expliquei os sintomas da Covid-19, os cuidados necessários para prevenir e o que fazer se a situação mudasse.
“Ouvidamente” deu para perceber o alívio na voz da mulher. Ela respirou, aspirou o nariz, não aguentou e chorou, ao mesmo tempo em que continuava verbalizando (ou tentando verbalizar) seus agradecimentos.
— Muito obrigado, dorme com Deus, o senhor foi um santo.
Quase chorei junto com ela ao perceber que naquele fim de plantão pude fazer a diferença para a vida de alguém. Mais de vinte anos de SUS e ainda consigo me emocionar, acho que ainda estou no caminho certo.

[Ernande Valentin do Prado publica na Rua Balsa das 10 às 6tas-feiras]

4 comentários:

  1. Amigo, parabéns e obrigada pela sua humanidade nesse momento tão difícil que passamos e, em especial, pela ajuda às pessoas que procuram esse serviço!

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    Respostas
    1. É só a obrigação de todos nós Enfermeiros e, sobretudo, seres humanos.

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  2. Fazer a diferença na vida de alguém (para o bem), não tem preço....
    Parabéns Ernande, Deus te abençoe!!!

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