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05 dezembro 2014

A PRODUÇÃO DE LEITE PASTEURIZADO E A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO POPULAR

Mercado de carnes- Feira de Paripiranga, Bahia. 2012.

Ernande Valentin do Prado

O leite é rico em nutrientes, vitaminas, gorduras, carboidratos, proteínas, sais minerais e água. É um alimento que tem tudo, inclusive alguns microrganismos nefastos que facilmente desenvolvem-se junto com outros importantes para o sabor do leite.
Ao ser retirado da vaca o leite deveria estar balanceado, mas esse balanço pode ser influenciado por muitos fatores diferentes: saúde dos animais, tipo de ração ou pasto, água que bebe e até o local onde dorme. Também pelo tipo de tratamento que recebe durante a ordenha, pelo manuseio, equipamentos usados e pelo armazenamento e, pasmem, até pelo fato da vaca ouvir música ou ser chamada pelo nome, o que revela que para produção do leite importa também a relação entre os homens (ou mulheres) e as vacas.
Dizem os especialistas que o leite pasteurizado é igual ao leite natural (que aqui vamos chamar de “leite de vaca vaca” em homenagem a minha filha Beatriz), mas quem já experimentou os dois garante que não são as mesmas coisas. Parece que uma prova de que não são mesmo é que ainda hoje leite natural é vendido de porta em porta ou nas fazendas até onde existem laticínios. Pode ser também que as pessoas prefiram o leite de “vaca vaca” por ser mais barato e representar um custo beneficio maior para o produtor e o consumidor final. No caso do leite pasteurizado (que vamos chamar de “vaca pacote” ou “vaca caixinha” em homenagem a mesma pessoa anteriormente citada), em muitas situações, o intermediário tem mais valor do que o produtor e até do que a própria vaca.
Muita gente desconfia que o leite de “vaca pacote” tenha mais água do que leite mesmo (mas o de “vaca vaca” também corre esse risco nas mãos de produtores sem vergonha, não é verdade?) Outros garantem que leite de “vaca pacote” não tem sabor.
Acho que é consenso que o leite ordenhado da vaca no pasto é diferente do leito de caixinha e/ou de pacote. Mas o que talvez nem todos saibam é que o pasteurizado pode ter diferentes classificações; pode ser tipos A, B, C, de caixinha, de pacote, de garrafa plástica, etc.
Não bebo muito leite (essa é uma especialidade de Alice, Beatriz, Heloisa e Larissa), mas percebo, na minha ignorância quase total, que no leite entregue de porta em porta há sim, se não mais sabor, ao menos mais poesia (e até mais vaca, diria).
O leite de “vaca vaca” é verdadeiramente integral, com cor, cheiro, e espuma e até vírus, bactérias e fungos. Para ficar mais seguro pode se ferver o leite de “vaca vaca”, embora não se consiga garantir a morte de todos os microrganismos e há quem defenda que ele deve ser tomado diretamente da teta da vaca. Na pasteurização (ou depois dela) pode-se adicionar ou retirar componentes do leite. Assim ele pode ficar com diferentes teores de gordura, pode ser desnatado, achocolatado, vitaminado, pode ser sem gordura e até sem vaca, no caso do leite de cabra e de outros mamíferos. O leite ainda pode virar pó, pode ser condensado ou transformado em creme, queijo, requeijão, iogurte e sei lá mais o que.
Nestas condições não é de se estranhar que algumas pessoas nem percebam que nestes produtos ainda exista leite ou que leite é um produto derivado da natureza e não de uma fábrica (ou de uma caixinha Tetra Pack).
Talvez o processo industrial me desminta, mas tenho a impressão (imprecisa) de que outras coisas são retiradas do leito sem que ninguém perceba durante a pasteurização, sei lá: talvez a alma (se é que leite tem alma, mas quem poderá dizer que não?).
Perde-se a alma (talvez), mas se ganha outras coisas neste processo, tais como a segurança de estar consumindo um produto limpinho, higienizado, sem risco de nos transmitir doenças (não vamos ser injustos também com a pasteurização) e, sobretudo, fácil de encontrar em um balcão de supermercado perto de sua casa.
Ainda há que considerar que neste processo de industrialização que envolve a cadeia produtiva do leite de “vaca pacote e vaca caixinha”, ainda há a parcela que vem do submundo, do “deus me livre”. O leite, com a desculpa da pasteurização, pode ser adulterado e ficar desfigurado completamente, embora seja compreensível que a maioria dos consumidores, sobretudo aquele que tenha pouco contato com o leito, nem sempre perceba logo de cara a diferença entre o leite de “vaca vaca” e o leite de “vaca pacote” ou nas suas outras formas. Tem “produtor” de leite (ou atravessador) adicionando fermento, água, formol, soda e até cal no leite nosso de todo dia.
Neste caso o leite deixa de ser leite para se tornar outra coisa que não sei dizer o que é (principalmente porque não sou muito de beber leite, como disse antes, mas há vários especialistas em minha casa que poderiam atestar o que falo e dizer exatamente o que seria essa coisa que parece, mas não é leite).
Fico pensando se com tantas modificações não perderemos com o tempo a capacidade de identificar qual é o leite verdadeiro e qual é o outro ou melhor, os outros. Afinal de contas tanto um quanto os outros são bem parecidos na forma, no cheiro e na aparência. Hoje ainda há quem consiga diferenciar um leite de “vaca vaca” de um leite de “vaca pacote” ou de “vaca caixinha”, mas quem nunca experimentou os dois “modelos” saberá?
O leite de “vaca pacote” tem um pouco menos de vida, com um pouco menos de autenticidade, um pouco menos de poesia e alma (e talvez de vaca). Mas será que todos precisam ou sentem falta de poesia, alma e de vaca no leite?

[Ernande Valentin do Prado publica na Rua Balsa das 10 às 6tas-feiras]

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