02 junho 2014

Blues (Julio Wong Un)


Desenho de Robert Crumb, óbvio. 


Conheci o blues de maneira curiosa. Em 1991 andava pelas ruas de Puno. A única cidade de todas que andei alguma vez nesta vida onde nunca me acostumei à altura de mais de 4.000 msnm. Fui pelo menos 8 vezes mas nunca o meu corpo se adaptou. Além do frio e da dureza dos aymaras que de alguma forma me rejeitaram sempre. Povo guerreiro e distante. 

Era noite. Atrás de uma grande igreja colonial, no camelô, comprei seis fitas cassete da coleção Crossroads do Clapton. Na época só sabia que ele tocou com os Beatles, ficou com a esposa do George Harrison e fez uma música linda para ela (Layla). 

As fitas eram piratas. As capas eram un Xerox em preto e branco. Mas o vendedor, un índio misterioso, me disse: blues! É perigoso. Vai se amarrar

Eu ri. Inocente. E perdido. Sem salvação. Porque ouvir o poder da guitarra, e do ecossistema que o blues criava com Clapton se divertindo foram fulminantes. 

Meses depois, já trabalhando em Cusco, houve um incidente providencial. Um garoto desses cara de pau - que tem aos montes  - tinha pedido umas fitas de blues para uma menina, que viria ser uma grande amiga. Ela ia para os Estados Unidos. Aliás, morava no mesmo prédio onde morava Woody Allen, com vista ao Central Park, fato que fazia dela um ser sobrenatural. Mas ela não ligava. Gostava de simplicidade extrema. 

No mês em que a menina passou fora de Cuzco, visitando a família rica em New York, o menino fez muita bobagem na casa dela e acabou sumindo. 

Quando a menina chegou as fitas ficaram órfãs. Eu adotei prontamente. 

Era ainda época do Walkman, embora eu já tinha uns poucos CDs esperando ter no futuro um aparelho. E comecei a escutar as fitas. E virou feitiço.

BB King, Muddy Waters e Howlin Wolf. As fitas se repetiam e revessavam no aparelho portátil. 

Resultado: 23 anos depois ainda me emociono totalmente quando qualquer blues começa. 

Foi assim que o blues me encontrou. 

E eu curto discreto, agradecido, pedindo secretamente para não me perder dele. 

[julio Alberto wong un escreve na Rua Balsa das 10 às segundas]





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