13 outubro 2014

De 2 graus de olhar [Julio Alberto Wong Un]


para amiga Márcia Azevedo
para a mestre e amiga Janaína de Oliveira Pinto.



1.

Nas últimas semanas a vida tomou um rumo algo diverso.

Minto. Vamos re-escrever. Nas últimas semanas minha mente tomou um rumo diverso. Imperceptível para outros, fundamental para mim: o horizonte ficou mais longe, mais amplo... mais meu. Uma mudança de direção de poucos graus que penso irá se refletir positivamente em novas paisagens espirituais e estéticas nestes tempos de me recompor.

Vai parecer livro de auto-ajuda mas passei de pensar nas minhas limitações como fronteiras finais que me modelam e definem a experimentar elas como desafios e mestres que irão me ensinar por longo tempo. Amigas com as que estou aprendendo a dialogar. Meninas brincalhonas que dizem sem dizer, rindo do nosso esforço por entender.

Limitações são pacientes e teimosas. Sabem que vieram com alguma mensagem oculta. Que o eleito terá que decifrar ou morrer.

Porque se morre, acima de tudo, em vida. Quando perdemos a utopia do sorriso, do fazer, do criar, do beijo, da transa inesquecível que nunca se repetirá a mesma, exata. Se morre quando tudo se repete, veloz e impiedoso, dia trás dia. A metáfora do morto vivo se aplica naquele que abre mão da chama, do fogo amoroso da criação do universo. Fogo que a humanidade cuida desde que o louco do Prometeu o roubou dos deuses, frios e vingativos.

Como os livros de auto-ajuda insistem: é muito mais o nosso ser/olhar do que o mundo que nos condiciona. E é.

Por isso, por desencanto se morre vivo. Amargurados, mediocres, egoístas, avarentos. Mortos sem brilho poético no olhar.

Porém há os mortos que não morrem. E eles sempre nos acalantam. Todos sabemos.

Tem tardes em que os meus mortos amados me ninam. Eles decifraram o dizer calado das limitações, das sequelas, do contornar e não poder atravessar pelo meio, direto, atalho. Um deles dizia, desde a cadeira de rodas: o caminho mais longo é o mais gostoso.

São memória, acalanto, consolo, ironia e dureza no momento certo. Somos feitos deles e, ao mesmo tempo, os fazemos novos e grandes, os mortos mais belos do mundo, como escreveu o Gabo.

2.
E tem, finalmente, os vivos-vivos, que procuram(os) o brilho, o sorriso no cinza das horas, o estalo do fogo no meio do mar. E esses somos os que fomos também escolhidos pelas limitações e pelos desafios. As dores e incertezas que, ao cruzar os dedos, transformam-se em piscadela, paradinha para renovar fôlego e continuar a brincadeira, a busca constante pela leveza. Porque do olhar/ser-no-mundo é que tudo é criado. E da postura desde onde vemos/vivemos é que se define tal ou qual figura.

Os vivos-vivos, mesmo doentes, mesmo sofredores, mesmo frágeis, mesmo sem poder planejar a médio ou longo prazo... vivem(os) a experiência da força amorosa que surge de toda a biografia em conjunto. Uma história de bem refletida em gestos, situações, olhares, formas da abóbada celeste que se expressam em carinhos práticos, saídas, pulos quânticos, encontros com o improvável.

Dai saímos distintos, mais próximos do centro do centro. Somos objeto da graça.









[Julio Alberto Wong Un publica na Rua Balsa das 10 às 2das-feiras]

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