27 abril 2015

Trinitas Misterio [Julio Alberto Wong Un]

Para minha filha Paula,
Insistentemente. 





Há uma coisa bondosa em arrumar e revisar o antigo. Além de faxina e arrumação a gente acaba se deparando com objetos, fotografias, escritos e manuscritos de tempos que não existem. Ou melhor: existem adormecidos na memória de quem mantém essa parte do cérebro operacional e saudável. A minha, milagrosamente, se mantém ainda. 

Essa situação, também bondosa, faz com que eu exerça a vida rotineira com gratidão. 

Ontem domingo, procurando recibos e documentos para o cruel processo da declaração do IR, me deparei com velhos poemarios, daqueles que escrevia intensamente no tempo da faculdade. Um deles me chamou a atenção: uma fotocópia manuscrita em papel tamanho ofício. Na primeira página um desenho a tinta fina do Pablo Picasso, e o nome em latim: Trinitas Misterio. O mistério da trindade. 

Sabe lá o que isso quer dizer. Fiz com 20 anos. Não sei mais quantas cópias foram feitas, a quem foi entregue, para quem foi escrito. Só sei que não era o tempo do fazer mas o de imaginar e elucubrar sobre a vida. Era o tempo da solidão e do que sequer imaginamos. 

Fui e sou tardio em tudo para os padrões ocidentais (criados em boa parte pela mídia e pelo mercado): primeiro beijo aos 18 (um desastre); primeira namorada aos 22 (um desastre longo); primeira transa aos 24 (mais desastres mas pelo menos foi divertido). E assim. Só vou repetir: aprendi verdadeiramente a transar aos 50 anos e fiz pos doutorado de beijar a partir dos 51. Lentidões. Defasagens. 

Mas para mim afirmação de que tudo é singular. E de que, ao invés do desespero por ter tudo no instante do impulso e do desejo, vale muito a pena esperar pela situação (exterior mas, principalmente, interior) e pela pessoa que irá nos transformar. 

Há, é claro, um componente de dádiva, de graça, de sorte. E de perseverar em uma fe nas possibilidades do Ser. E muito preparo. 

Não somos transformados se não estamos preparados. Nos preparando sempre. O lugar do mistério é o lugar do rotineiro. Só que, em geral, não o enxergamos. 

Aquela trindade e aquele fauno a tinta dizem calmos (desde seus mais de 30 anos de testemunhar o mundo): esse tempo de reunir os muitos que você é, é um tempo da esperança e do vento acariciando teu rosto. E tens a vida inteira para chegar àquele beijo, àquela  amada..... Àquele Ser que tu também és. 

Mas errar e tropeçar também são necessários. Afinal, é o mistério da tríade que é Uno. Trinitas Mistério. 





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