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Ernande Valentin do Prado
O controle social é um tema que tem sido
bastante discutido, principalmente com a proximidade das Conferência
obrigatórias de Saúde, municipal, estadual e nacional, que foram ou ainda serão
realizadas este ano. Nesse momento, parece apropriado questionar se o controle
social, tal qual deliberado pela Constituição Federal de 1988, através de
conselhos e conferencias, está funcionando como esperava o Movimento de Reforma
Sanitária Brasileira?
Em 3 de fevereiro de 2014, em Brasília, aconteceu a II Mostra
Nacional de Experiências em Gestão Estratégica e Participativa no SUS (II
EXPOGEP). Um dos eixos dizia respeito a Mobilização Social: direito à saúde e diversidade. Nesse
eixo, uma das salas discutia o tema: Controle Social e Gestão Participativa.
Foram apresentadas 17 experiências, sendo cinco comunicações orais, com um
pouco mais de tempo para falar sobre as experiência e 12 pôsteres. Apesar das
diferentes categorias de apresentação e tempo de exposição, todos puderam apresentar
suas experiências. No final houve uma discussão interessante com todos os
participantes, expositores e pessoas interessantes no tema.
Das
17 experiências, 12 abordavam explicitamente conselhos de saúde, o que pode ser
verificado diretamente no título dos trabalhos[i]. Quatro
não mencionam conselhos de saúde no título, mas desses, três abordam claramente
controle social, mesmo com diferentes nomes: participação popular, plenária participativa,
saúde no ar (rádio). Das 17, apenas uma não parece claramente relacionada ao
controle social e duas experiências foram realizadas fora dos conselhos ou não
diziam respeito a eles, embora também na perspectiva do controle social e da
participação popular. Uma, na ótica da Educação Popular, O diálogo como
estratégia de gestão no SUS de Dias D’Ávila (BA), experiência que se apoia
apenas nos usuários do serviço, sem nenhum outro tipo de organização e,
Estradeiro do SUS – Sistema Único de Saúde: Muito Prazer, que não ficou claro
do que se tratava, porém, parecia uma espécie de bate-papo e prestação de
serviços aos caminhoneiros. Não ficou claro na apresentação da autora e nem no
pôster.
De
memória, lembro que apenas duas experiências não abordavam conselhos, mas, para
não incorrer em erro, vou eliminar o fator memória e trabalhar apenas com os
títulos dos trabalhos que encontrei disponíveis na internet[1]: com
esse critério, 12 trabalhos abordavam de forma explicita situações vivenciadas
em conselhos de saúde. Dez davam contam de um cenário em que os conselhos de
saúde estão em sua função primordial, fazer controle social, fragilizados,
desfigurados pela forma como são constituídos e funcionam no dia a dia. Dois,
da mesma cidade, falavam de experiências exitosas: Conselho local de
saúde de Araçatuba[2]:
um espaço para transformação sociais na zona rural cearense, e A mobilização social
como ferramenta de fortalecimento dos conselhos locais de saúde no município de
Sobral – CE. Das outras dez, duas eram longas pesquisas academias tradicionais
abordando o funcionamento de diversos conselhos de saúde: Mobilização da
participação na política de saúde: o conselho estadual de saúde de Mato Grosso
e Atuação e percepção de representantes dos usuários do SUS no Conselho
Estadual de Saúde no Rio de janeiro – (CES/RJ). Ambas descreviam cenários
desoladores, principalmente a do Rio de Janeiro, que fez uma abordagem do aspecto
formal, além do funcional dos conselhos municipais do estado.
Acredito que não se trata de uma mostra insignificante,
apesar de pequena. São experiências representativas de várias partes do Brasil,
que invariavelmente apresentam cenários aonde os conselhos de saúde não
funcionam realmente ou funcionam de forma tão precária que não se pode dizer
que o controle social acontece, que há realmente participação popular na gestão
do SUS. Além disso, essa mostra só confirma o que já é de conhecimento generalizado
no SUS, sobretudo entre trabalhadores e usuários.
Apesar das boas intenções, da criatividade, do compromisso
social dos criadores das regras de funcionamento dos conselhos de saúde, bem
expresso na lei 8.142/90, parece que na prática, quem era ou é contra o
controle social, conseguiu subverter as intencionalidades. Quase sempre os
conselhos de saúde são estruturas burocráticas, viciadas, com conselheiros
eternos ou eternamente iniciantes. Muitos são bem intencionados, mas
despreparados (parece que de forma intencional) quase sempre e, com raríssimas
exceções, desrespeitados nas indicações e deliberações. Servem para assinar os
despachos do Secretário de Saúde, dando aparência de transparência para algo
que é quase tudo, menos transparente.
Vanilda Paiva[3],
em 1986, discutindo a participação social na educação, disse que o discurso da
participação, em muitos casos, reflete apenas a “dificultarização” da real
participação. Isso por causa dos horários inapropriados, pela lógica pensada
apenas a partir da comodidade dos profissionais, além disso, participar, para
população, significa aumento das jornadas de trabalho. Na saúde, não dá para
tirar nada do que Vanilda Paiva falou, mas dá para acrescentar: como regra, nos
Conselhos de Saúde, mas sobretudo nos serviços, a participação popular só é bem
vista e estimulada se for para ouvir, sobretudo as justificativas dos
profissionais e da gestão sobre o porquê não há como atender as reivindicações.
Quando a população, por algum motivo se dispões a participar, com algo mais do
que perguntas ou assinatura em uma ata, quando tenta intervir no processo de
trabalho, discordar das justificativas apresentadas, propor alternativas, quase
sempre são deslegitimados e, coso queiram discutir o orçamento, a prestação de
contas, viram, imediatamente, inimigo político.
Isso explica parte do porque a maioria das pessoas que
participam dos Conselhos, quase sempre, são representantes de algum interesse
político “partidário”, seja da gestão, do sindicado ou de usuários escolhidos a
dedo pela gestão (quase sempre, mas também pelo sindicato, pelos partidos,
pelos prestadores de serviços). Os usuários que realmente fazem uso do SUS no
cotidiano, que precisa que ele funcione, que não consegue argumentar bonito
contra a lógica de funcionamento dos conselhos e do serviço de saúde, quase
sempre não participar, isso por que é barrado pela lógica organizativa, por
desacreditar de tudo que veem e ouvem, assim como desacreditam dos movimentos
sociais e dos partidos políticos. Ao contrário do que usualmente se fala,
talvez para aliviar a consciente e o sentimento de fracasso, esses cidadãos não
parecem simplesmente alienados, desmotivados, cansados, sem fé, mas bastante
consciente de como as coisas acontecem na prática e de que não conseguem romper
as barreiras que lhe são impostas.
A contribuição da Educação Popular, tomando como verdade
apenas 50% do cenário que acabo de descrever, não poderia ser outras, se não a
promoção do fortalecimento dos movimentos sociais, de novas práticas éticas e
solidárias, do empoderamento do sujeito. São desafios que sozinhos, já são
muito grandes e complexos, porém, pensando a necessidade de fortalecer o
controle social no SUS, fica ainda mais complicado. Embora a representação nos
conselhos de saúde, sobretudo dos usuários, se dá por representações dos
movimentos sociais, estes, quase sempre, se são de fato autônomos ou críticos a
gestão no estado, são deslegitimados como instrumento de participação popular e
não têm vagas nos conselhos.
Hoje o controle social é sinônimo de conselhos e
conferências, como se apenas eles fossem legítimos ou oferecessem ferramentas
realmente capazes. Mas parece justamente o contrário, os conselhos estão
impedindo a mobilização social, dificultando a participação de movimentos
sociais autônomo, de novas práticas solidária, de cidadã que apenas precisam
que o SUS funcione, que a UBS, o hospital, laboratório, estejam abertos e
atendendo de um modo ao menos aceitável. Apesar do que pensaram os
idealizadores do Controle Social, reunidos em torno do Movimento de Reforma
Sanitária Brasileira, na verdade, essa estrutura toda, tal qual descrito na
Constituição Federal e operacionalizada a partir da lei 8.142/90, e sobretudo
pelos municípios, estados e da união, dificulta a participação popular, e, na
prática impede que o controle social de fato aconteça. Como fala o Capitão
Nascimento, personagem do filme Tropa de Elite 2, o sistema sempre dá um jeito[4].
Parecer ser esse o caso, quando se pensa no que se transformou os dispositivos
constitucionais que deveriam garantir o controle social no SUS.
Denunciar essa situação e anunciar que não precisa ser
assim, parece ser a maior e mais poderosa contribuição que a educação popular
poderia dar para a discussão da participação popular e do controle social no
SUS
[1] BRASIL, Caderno-IIEXPOGEP.
Acessado em 11 out. 2015.
[2] Não se trata da cidade de Araçatuba,
mas de uma localidade rural na cidade de Sobral, no Ceará. Ou seja, é a
experiência de um conselho local de saúde.
[3] PAIVA, V. Introdução. In:
PAIVA, V. (Org.). Dilemas e perspectivas da educação
popular. Rio de Janeiro: Graal, 1986. p.15 - 60.
popular. Rio de Janeiro: Graal, 1986. p.15 - 60.
[4] José Padilha. Tropa de Elite (filme).
Disponível em: Acessado em:
07 nov. 2015.
[i] Relação dos trabalhos
apresentados com o tema: Controle Social e Gestão Participativa.
Apresentação oral:
1.
Conselho local de saúde de Araçatuba: um espaço para transformação
sociais na zona rural cearense;
2.
Capacitação: fortalecimento do controle social por meio da Inclusão dos
conselheiros de saúde do Estado do MS;
3.
Mobilização da participação na política de saúde: o conselho estadual
de saúde de Mato Grosso;
4.
SUS: Direitos dos usuários e participação social;
5.
O diálogo como estratégia de gestão no SUS de Dias D’Ávila (BA). 42 43
Pôsteres:
1.
Incentivo à participação popular: um caminho a construir nos serviços
de saúde e escola.
2.
A experiências das oficinas de formação para conselheiros de Saúde
município de Betim (MG), pelo Programa de Educação pelo Trabalho (PET).
Observatório do Controle Social do SUS Betim.
3.
Curso de Educação para a Cidadania, Transparência e Controle Social no
SUS: capacitação dos conselheiros municipais de saúde e mobilização dos
movimentos sociais do controle social;
4.
Controle social no SUS: contribuições para efetivação da gestão
democrática do sistema de saúde;
5.
Conselhos de saúde em busca da paridade para conquista de sua
legitimidade;
6.
Plenárias da saúde participativa de Guarulhos;
7.
A rede de usuários do SUS e Controle Social;
8.
Estradeiro do SUS – Sistema Único de Saúde: Muito Prazer;
9.
A mobilização social como ferramenta de fortalecimento dos conselhos
locais de saúde no município de Sobral - CE;
10. Estratégias para ampliação
do cuidado ao usuário em sofrimento psíquico na atenção básica do Município de
Viçosa do Ceará;
11. Estação Saúde: uma proposta
de saúde no ar; e
12. Atuação e percepção de
representantes dos usuários do SUS no Conselho Estadual de Saúde no Rio de
janeiro – (CES/RJ).
[Ernande
Valentin do Pradinho publica na Rua Balsa das 10 às 6tas-feiras]
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