Maria Amélia Mano
Irresponsabilidades. Um ano termina. Termina um museu, em chamas. Museu de poesia.
Museu de imagem. Ronaldo morre. Devo ter visto ele em meio às vozes de
Drummond e Caymmi. Sinto falta dele que não conheci, não vi. O museu se
reconstrói, prometem. Ele, não. Não era feito de tijolo e pedra. Era feito de
família. Quem sabe, esperança. Esperança que penetra surdamente no reino das
palavras. Mas, gritamos. Palavras vivas. Poemas, fragmentos pendurados em varais que voam.
Balsa. Sarau. Reencontros. Desabafos. Angústias. Alívios. Somos nós.
Heloísa
briga com a mãe, Tânia. Heloísa e o irmão querem ir ao passeio do colégio no
fim do ano. Confraternização de colegas e professores. São 25 reais cada um.
São 50 reais, no total. É isso ou o gás, pensa Tânia. Heloísa desafia os pais,
vira “respondona”. Tânia bate em Heloísa e se arrepende, sente culpa. Mas é
coisa demais! Ela e o marido sem emprego. No meio do choro, Tânia tranquiliza a
filha. Diz que o dinheiro do passeio está reservado. Decide. Agora, é arranjar
dinheiro para o gás.
Fernanda
já teve a última filha mais tarde e olha para a menina, Vitória, com esperança.
Recebe ajuda do governo, Bolsa Família, 150 reais. Tem as pernas cheias de
varizes. Aguarda cirurgião vascular por mais de seis meses. Tornozelos inchados. Dificuldade para caminhar.
Faxinas feitas com dificuldade. E pergunto do dinheiro do Bolsa família.
Fernanda olha para Vitória e me olha, me explica: “é para ela”. Fernanda
guarda, todos os meses, o dinheiro para a filha: “quero ver ela estudar e se
formar”.
Helena
espera pelo auxílio doença em função da depressão e da dependência química.
Instituição entra em greve e a perícia fica adiada para fevereiro. Ex marido
não ajuda. Vem chegando o natal. Filho de 10 anos cheio de sonhos. Ela perdida
em falta de sonhos. Recai e resolve. Crack e prostituição em dois dias de
loucura em que mal se lembra. De uma noite para outra, consegue 360 reais.
Sente que é nada na vida. Fez pelo filho. Tem notícia boa: assistente social
conseguiu cesta básica. O natal vai ser bom...
É o
gás, é a perna inchada, é uma noite de humilhações. É o sacrifício para dar o
passeio aos filhos, é o sonho de ver a filha formada, é a ideia de fazer um
natal bonito para o filho, uma ceia, um presente. Um ano começa. Quem sabe, um dia, no museu
novo, em um ano novo e justo, todos podem entrar e ser poesia de sacrifícios e esperança. Esperança que
penetra surdamente no reino das palavras. Mas gritamos. Palavras vivas. Poemas, fragmentos
pendurados em varais que voam. Balsa. Sarau. Reencontros. Desabafos. Angústias. Alívios. Somos
nós.
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