Maria Amélia Mano
Para todos os jeitos e
tempos de ser mãe.
Não
sei muito da história. Como começou a entrega, o vício, a prostituição. Lembro
quando fiz o diagnóstico do vírus. Lembro quando Cátia se orgulhava da
abstinência e quando confessava a recaída, quando contou que roubou só uma vez
de um cliente: 50 reais soltos do bolso da calça. “Tentação demais!”
Vi
sorriso quando me disse que estava amando muito. Companheiro que não tem filho.
Cátia querendo dar presente de amor. Cátia querendo engravidar sem conseguir.
Cátia e a sentença de que tinha que tirar o útero, lesão expansiva que avançava
para os pequenos lábios. Espera de um ano até que a dor veio e o medo de sofrer
ganhou.
Então,
Cátia chega com ar de cansada... Quer o encaminhamento para a ginecologia.
Aceita a sentença dada há um ano, sentida há uma semana. Dor. Precisa estar
bem, quer novamente a guarda dos filhos que está com a mãe. Mas a mãe está
doente e pouco cuida de si mesma. Agora é a hora dela. Ela, agora, pode e quer.
Quando
me confessa medo, lembro de tanta coragem. Coragem na rua, nas “bocas”, nas
esquinas, coragem de parar com a “pedra”, coragem de olhar com humildade para
os filhos que perdeu a guarda e de querer resgatar, de querer ser mãe de novo,
de cuidar da mãe, de querer cuidar de si. Ser filha e mulher. Cátia erguida. Finalmente.
Então,
Cátia lamenta o filho que queria ter. Desejo de cuidar outros filhos nascidos
em tempos de escuridão. Amor que clareia. Clarão que ilumina a alma cheia de
medo. Eu, sem a pretensão de negar o futuro, mas de ajudar a fazer do tempo,
esse presente de vida, essa possibilidade de abraço de encontro e perdão.
Papéis
para exames e para o especialista. “Alta prioridade”, escrevo. Remédio para
dor. Cátia diz que o companheiro não tem o vírus como o companheiro anterior
também não teve. “Acho que só recebo, mas não passo”, diz ela, orgulhosa de não
fazer mal a ninguém. Sorri, com uma culpa a menos. Uma esperança a mais:
milagres acontecem.
Cátia
tem 30 anos nas mãos, mais de 30 meses sem o crack e quase 300 anos de
histórias na lágrima que, pela primeira vez, vejo cair. Abraço. Certeza de que
estarei ali para quando precisar voltar. Ela vai voltar, sei, como sempre, com
ar de menina que brinca com a vida, essa que vale viver quando se é amada e ela
é, apesar de tudo, depois de tudo. Finalmente.
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