08 agosto 2017

DAS VERDADES E MENTIRAS


Maria Amélia Mano

E que eu achava que a verdade era um valor, o mais importante. Mas em nome dela, tantas crueldades, tantas palavras que não precisavam ser ditas, que não foram pedidas. Perdidas palavras em mágoas desnecessárias. Mentira pode ser melhor, aprendi. Pode ser mais generosa. Qual a medida da verdade, da mentira, do que se quer dizer. Tempo, maturidade, capacidade de escolha. Olhar nos olhos e entender o que o outro quer: verdade, nem sempre.

Verdade nem sempre é útil. Verdade nem sempre é necessária. Verdade nem sempre ajuda. Uma família pede para dizer que o pai acamado está assim por uso de agrotóxicos. Vejo os exames e há o diagnóstico de provável sangramento: trauma de crânio. O pai caiu e ninguém viu. A família pergunta. O homem hospitalizado pede para eu dizer que ele não vai morrer. Pergunta. Eu, tão infantil, tão sem chão, tão sem tudo, digo uma verdade que julgo ética.

Não tem como voltar o tempo. Desdizer o dito e sentido. Desfazer o feito e chorado. Tempo passa e me desculpo de mim, me curo de mim com a humanidade que me permito, às vezes. Aprendiz. Errante. Tantos erros por querer acertar e o tempo, esse sim, repito, é sempre valor, sempre importante. Nas noites de lembranças, peço perdão também aos que me exigiram mentira e devolvi com a verdade. Não percebi. Era criança. Não sabia mentir.

Hoje meu sono é calmo, maduro, tranquilo, desarrependido. Me arrependi o suficiente e aprendi um pouco, com o tempo, esse valor de pérola crescida em sofrimento de ostra. Tateio a medida das palavras, as verdades e as mentiras. E espero. Porque a espera é tanto quanto o tempo, um valor. Paciência. Espero que os olhos me perguntem mais do que as palavras da boca. As palavras enganam. Os olhos suplicam o que a alma quer ouvir. Essa é a arte.

A arte de escutar está no silêncio. A arte de dizer está no encontro, no limite, na intenção do gesto, na verdade pela metade, na mentira desejada, na cumplicidade de poder acreditar no impossível. Tempero que não se mede. Segredo que não se revela. Dor que é necessária de sentir. Aprendemos com o erro, com a dor, com a vida, com a morte. Aprendemos com a mentira, com verdade. Tudo é ingrediente, remédio, calma, compaixão e cuidado. Tudo é cuidado.

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