01 outubro 2017

Olhar

O pequeno hortelã de Ana Clara 
A mulher sentada do outro lado da mesa tem uma barriga grande e muita ansiedade para que esse bebê logo nasça, que ela já cansou de estar grávida. 

A menina, que adentrou a sala e se pôs de pé deste lado da mesa, de prontidão e de jaleco branco, abaixa o olhar e fita com precisão o papel com todos os detalhes de uma carteira de pré-natal: FCF, AU, DUM, DPP, IG por US... e entoa com alegria: "Então falta um mês!" 

A resposta é imediata: "olha pra cima, dôtora... tem que olhar menos pra baixo, e mais pra cima".
A verdade é que o papel, em uma de suas múltiplas linhas e tabelas miúdas, dizia que um exame falou que aquele bebê tinha 34 semanas. 

Mas os olhos, as mãos, a barriga, o cansaço e o sorriso da paciente contavam diferente: contavam que ali tinham mesmo eram completas e longas trinta e nove semanas de espera. Assim mesmo, por extenso. Riscar os dias do calendário por mais um mês seria loucura... Ali tinha é alguém louco pra vir ao mundo, bem rapidinho. Rápido como as coisas que passam e a gente nem bota o olho pra ver.

~ Ana Clara

Ana Clara é acadêmica do curso de medicina na cidade de Rio Grande - RS , mas nascida em Minas Gerais. Faz parte da coordenação do projeto de extensão popular Liga de Educação em Saúde e hoje tem planos de se especializar em Medicina de Família e Comunidade. Adora sair na rua pra tomar vento no rosto, nao come carne desde 2015 e tem o hábito quase incurável de batizar as plantas de casa com nomes compridos. Não tem um longo caminho na escrita, mas tem descoberto as palavras com forma de perceber melhor o mundo e suas próprias experiências.

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