Poucos minutos
depois que a nutricionista saiu do quarto, pisando duro, como disse a esposa,
entrou uma mulher com o cabelo pintado de loiro, amarrado tipo rabo de cavalo,
o que fez a imaginação delirante do homem levantar a hipótese de que cabelo
amarrado tipo rabo de cavalo fosse uma regra do hospital. A esposa, que passara
toda a noite com a filha, estava se preparando para ir para casa, mas esperou
para ver o que aquela mulher de vestido estampado, pouco acima dos joelhos,
jaleco branco arreganhado, cobrindo o bordado do nome e da função, queria.
Depois de
invadir o quarto com postura resoluta e assertiva, certa de que imporia
respeito, mesmo que no soco, disse com voz suave e baixa, quase inaudível:
- O que está
acontecendo aqui?
O homem e sua
esposa, acreditando que estavam falando com a chefe das nutricionistas e que
talvez ela fosse uma profissional com uma postura diferente, quem sabe mais
aberta e disposta ao diálogo e não a ditar regras, quem sabe até capaz de olhar
para a criança doente e entender que comer é mais importante do que comer nos
horários específicos do hospital, explicou tudo como lembravam ter acontecido,
durante a visa da nutricionista.
A mulher do
jaleco arreganhado esperou o tempo da narração, aproximou-se do homem,
ignorando sua esposa, ocupou o espaço pessoal dele, talvez como estratégia para
provocar desconforto. Disse, demonstrando que nada do que disseram fez nenhuma
diferença, no que estava certa que sabia:
- Qual a doença
de sua filha?
- A senhora não
olhou no prontuário?
Disse o homem,
incomodado com a proximidade da mulher e com sua fala aparentemente doce.
- A sua filha
tem uma doença grave...
Disse em voz
baixa, mas com tom autoritário que não admitia ser questionado. O homem recuou
um passo, não queria tanta proximidade:
- ... ela não
pode comer qualquer coisa... o senhor sabe o que ela tem?
- Eu sei, e a
senhora sabe?
A mulher piscou
teatralmente os olhos, avançou um passo em direção ao homem, para ocupar
novamente seu espaço pessoal.
- Eu sei sim,
acha que viria no quarto sem saber o que ela tem?
- Acho sim...
Disse o pai,
andando até a porta. Olhou o corredor para ver se havia alguém que conhecia ali
por perto. Não tinha.
- O que a
senhora veio fazer aqui, quem é você?
- Eu vim lhe
explicar que o hospital tem regras...
O homem não
conseguiu esconder que estava muito desconfortável com aquela situação, com
aquela mulher de fala baixa e aparentemente macia. Sentia que estava perdendo
seu tempo contando a mesma coisa para uma outra pessoa que não parecia ouvir,
que não parecia disposta a rever os procedimentos e que talvez não tivesse
nada que ver com o setor.
- Já conheço as
regras...
- Então vamos
falar sobre respeito.
Meus Deus, pensou o homem. Ergueu os
braços como quem implora ajuda divina. Olhou a filha deitada na cama, assustada
com aquela situação absurda. Pensou em recuar, deixar pra lá, mas não conseguiu.
- Sobre respeito
não dá para falar com a senhora. Nem sei quem você é, cadê o crachá? A senhora
entrou no quarto parecendo uma pessoa e agora já nem sei quem é.
A mulher meio
que riu, como que debochando. Ocupou o espaço pessoal novamente, fixou os olhos
e disse:
- O senhor está
se exaltando...
- E a senhora
acha que porque fala baixo é menos agressiva que eu?
- Acho sim...
Disse a mulher.
- ... eu vim lhe
explicar sobre respeito aos profissionais.
Já disse, minha
senhora...
Disse o homem,
de novo na porta procurando alguém que pudesse tirar aquela mulher do quarto da
filha, cada vez mais nervoso:
- ... sobre
respeito a senhora não é a pessoa apropriada para falar. Além disso, aprendi
com minha mãe, respeito não se pede, tem que fazer por merecer.
- Então vamos
falar sobre infecção cruzada...
Disse a mulher,
sem se dar por vencida e começou a falar sobre os perigos de restos de comida
deixados no quarto, o quanto isso atraia insetos e insetos atraia doenças novas
para os internados.
- ... o senhor
sabe o que é uma infecção cruzada?
- Sei, sim
senhora. E a senhora, sabe?
Disse o homem,
tentando conter sua irritação.
- Eu sei. O
senhor acha que não sei o que é infecção cruzada?
- Não sei se a
senhora sabe. Na verdade, nem sei quem é a senhora, qual sua função.
- Eu sou a
médica de plantão...
Disse finalmente
a mulher, como se o fato de ser médica explicasse tudo, como se isso fosse
suficiente para impor seu saber, sua legitimidade em ter invadido o quarto de
uma pessoa internada, sem se identificar, sem dizer o que queria, como se não
precisasse ouvir...
- O fato da
senhora ser médica explica o que?
Disse o homem e
antes que a mulher pudesse falar outra coisa acrescentou que não entendia o que
ela fora fazer ali, uma vez que chegou dizendo que queria falar sobre respeito,
mas não se dera ao respeito em momento algum. Depois disse que queria falar de
infecção cruzada, mas estava de sapato aberto, jaleco arreganhado e não vira
ela passar álcool gel 70% nas mãos quando entrou. Portando, enfatizou:
- Não consigo
levar a senhora a sério...
A mulher perdeu
a fala por uns segundos, mas antes que pudesse se recobrar e dizer mais alguma
coisa, o homem acrescentou:
- Pode, por
favor, sair deste quarto, que não te levo a sério?
Por último ainda
disse:
- Veja, estou
falando no seu tom de voz, na mesma altura de voz da senhora, já que acha que
isso é menos agressivo.
A mulher ainda
tentou falar outra coisa, mas o homem recusou-se a ouvir, saiu do quarto
dizendo:
- Já que a senhora não sai, saiu eu...
[Ernande Valentin do Prado publica no Rua Balsa das 10 às
6tas-feiras]
Partes já publicadas:
Partes a publicar:
7 Comunicação Perfeita
8 Cuidada
8 Cuidada
9 Contrabando
10 Brinquedoteca
Nenhum comentário:
Postar um comentário
O que tem a dizer sobre essa postagem?