29 dezembro 2017

O ÚLTIMO ACAMPAMENTO - FRAGMENTOS DE MEMÓRIAS VERDE OLIVA

Imagem capturada na internet, 2017.
Ernande Valentin do Prado

Em um dos últimos acampamentos realizado pela Primeira Companhia, o PELOPES foi destacado para fazer o ataque. Todo Batalhão tomou posição no alto de um morro para preparar as fortificações e o acampamento.
Ao nosso pelotão só cabia acampar no pé do morro e ficar esperando até o momento do ataque.
Finalmente uma moleza, já estava na hora, pesei. O tempo estava bom, fazia calor. Finalmente um acampamento sem fazer frio, sem chuva. Até então, pelo que lembro, em todos, absolutamente todos os acampamentos, chuva, frio, mosquitos, eram obrigatórios, mas esse seria diferente, ao menos era o que parecia.
O Tenente instruiu o sargento: só montar uma guarnição e fazer as barracas. O sargento comandou aos soldados, cada um faça sua cabana, como achar melhor.
Utilizando-se do que aprenderam nos treinamentos, cada soldado começou a fazer sua barraca. Os bizurados, como Martins, construíram verdadeiras mansões, capaz de encarar até tempestade. Outros fizeram coisa mais básicas.
Eu e Ugo escolhemos arvores próximas e fizemos redes com a manta e, no caso de chuva, nos cobriríamos com o poncho, tal qual demonstrado no treinamento. Era a opção de menor esforço e a que parecia mais lógica, afinal de contas não queríamos cortar madeira, fazer buracos, cobrir com folhas, armar, fixar, amarrar, até porque não iria chover, o tempo estava ótimo e se chovesse o poncho daria conta.
Arrumamos a rede e deitamos, conversando sobre o quanto aqueles soldados eram bisonhos, como podiam perder tanto tempo, esforçarem-se tanto por nada.
Sargento Borba passou por nós, deitados enquanto todo o pelotão se ocupava em fazer barracas. Disse, como que jogando praga:
- Vão ficar nesta rede só?
- Não precisa mais nada, Sargento.
Foi o que Ugo disse.
- Vocês que sabem, disse o sargento e aproveito outra arvore perto e armou a rede dele, da mesma forma que nós, mas acima dela passou uma corda e cobriu a rede com o poncho, o que fizemos também, seguindo o exemplo.
No meio da tarde o tempo virou, o céu escureceu e caiu uma chuva de matar galinha no ninho. Em menos de meia hora nossas redes estavam ensopadas. Na tentativa de resolver o problema, já estávamos molhados até a pleura, como dizia o Sargento Dailton.
A rede do Sargento Borba estava seca e não entendíamos porque, se fizemos tudo igual ele. Tentamos descobrir qual o segredo, o porquê escorria água em nossas redes e na dele não. Como não conseguimos, simplesmente perguntamos:
- Sargento, qual o segredo, porque sua rede não molha e as nossas estão ensopadas?
- Não vou contar, vocês deveriam ter feito barracas como todo mundo.
O poncho era grande, cobria completamente a manta que servia de rede, não era esse o problema. A água escorrida da arvore para carda, na qual amarrava a mata e a encharcava toda, tornando impossível ficar deitado na rede.
- Quando chegar no batalhão eu conto como evitar a água na rede.
Eu e Ugo começamos a andar na mata de poncho e ver se havia alguma barraca seca e grande o suficiente para nos abrigar. Poucas estavam realmente secas, algumas já haviam desmoronado. A do Gama, que havia perdido horas construindo, corria mais água dentro do que fora.
Luciano, muito bizurado, tinha uma barraca seca, mas não cabia mais do que ele. Martins, outro bizurado de carteirinha, havia ficado horas construindo sua barraca, tinha até porta, era grande, estava seca e cabia todos nós: eu, Ugo, Gama e outros que perambulava pela chuva, mas não queria nos permitir entrar, disse:
- Enquanto eu trabalhava vocês davam risada, agora querem um lugar seco?
Foi inevitável lembrei da fábula da cigarra e das formigas. Eu e Ugo éramos cigarras, naquele momento e não conseguíamos entender as formigas.
- Porra Martins, vai deixar os irmãos na chuva?
Ele resistiu, resistiu até onde deu, mas nos permitiu entrar em sua barraca, afinal de conta éramos todos irmãos de farda (e quem queria perder as graças do Ugo, também conhecido como Ugo Bocão, o soldado mais completo da companhia?).
De verdade nem adiantava mais entrar na barraca, a farda, o coturno e até a pleura, já estavam irremediavelmente molhados. Quando a chuva passou, no outro dia, colocamos as roupas para secar e finalmente o Sargento Borba revelou o segredo para não molhar a rede: mas já não adiantava mais, não choveu mais nenhum dia, dos três que ficamos acampados ali.
[Ernande Valentin do Prado publica no Rua Balsa das 10 às 6tas-feiras]


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