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Imagem capturada na internet, 2017. |
Ernande
Valentin do Prado
Em um dos últimos
acampamentos realizado pela Primeira Companhia, o PELOPES foi destacado para
fazer o ataque. Todo Batalhão tomou posição no alto de um morro para preparar
as fortificações e o acampamento.
Ao nosso pelotão só
cabia acampar no pé do morro e ficar esperando até o momento do ataque.
Finalmente uma
moleza, já estava na hora, pesei. O tempo estava bom, fazia calor. Finalmente
um acampamento sem fazer frio, sem chuva. Até então, pelo que lembro, em todos,
absolutamente todos os acampamentos, chuva, frio, mosquitos, eram obrigatórios,
mas esse seria diferente, ao menos era o que parecia.
O Tenente instruiu
o sargento: só montar uma guarnição e fazer as barracas. O sargento comandou
aos soldados, cada um faça sua cabana, como achar melhor.
Utilizando-se do
que aprenderam nos treinamentos, cada soldado começou a fazer sua barraca. Os
bizurados, como Martins, construíram verdadeiras mansões, capaz de encarar até
tempestade. Outros fizeram coisa mais básicas.
Eu e Ugo escolhemos
arvores próximas e fizemos redes com a manta e, no caso de chuva, nos
cobriríamos com o poncho, tal qual demonstrado no treinamento. Era a opção de
menor esforço e a que parecia mais lógica, afinal de contas não queríamos
cortar madeira, fazer buracos, cobrir com folhas, armar, fixar, amarrar, até
porque não iria chover, o tempo estava ótimo e se chovesse o poncho daria conta.
Arrumamos a rede e
deitamos, conversando sobre o quanto aqueles soldados eram bisonhos, como
podiam perder tanto tempo, esforçarem-se tanto por nada.
Sargento Borba
passou por nós, deitados enquanto todo o pelotão se ocupava em fazer barracas.
Disse, como que jogando praga:
- Vão ficar nesta
rede só?
- Não precisa mais
nada, Sargento.
Foi o que Ugo disse.
- Vocês que sabem,
disse o sargento e aproveito outra arvore perto e armou a rede dele, da mesma
forma que nós, mas acima dela passou uma corda e cobriu a rede com o poncho, o
que fizemos também, seguindo o exemplo.
No meio da tarde o
tempo virou, o céu escureceu e caiu uma chuva de matar galinha no ninho. Em
menos de meia hora nossas redes estavam ensopadas. Na tentativa de resolver o
problema, já estávamos molhados até a pleura, como dizia o Sargento Dailton.
A rede do Sargento
Borba estava seca e não entendíamos porque, se fizemos tudo igual ele. Tentamos
descobrir qual o segredo, o porquê escorria água em nossas redes e na dele não.
Como não conseguimos, simplesmente perguntamos:
- Sargento, qual o
segredo, porque sua rede não molha e as nossas estão ensopadas?
- Não vou contar,
vocês deveriam ter feito barracas como todo mundo.
O poncho era
grande, cobria completamente a manta que servia de rede, não era esse o
problema. A água escorrida da arvore para carda, na qual amarrava a mata e a
encharcava toda, tornando impossível ficar deitado na rede.
- Quando chegar no
batalhão eu conto como evitar a água na rede.
Eu e Ugo começamos
a andar na mata de poncho e ver se havia alguma barraca seca e grande o
suficiente para nos abrigar. Poucas estavam realmente secas, algumas já haviam
desmoronado. A do Gama, que havia perdido horas construindo, corria mais água
dentro do que fora.
Luciano, muito
bizurado, tinha uma barraca seca, mas não cabia mais do que ele. Martins, outro
bizurado de carteirinha, havia ficado horas construindo sua barraca, tinha até
porta, era grande, estava seca e cabia todos nós: eu, Ugo, Gama e outros que
perambulava pela chuva, mas não queria nos permitir entrar, disse:
- Enquanto eu
trabalhava vocês davam risada, agora querem um lugar seco?
Foi inevitável
lembrei da fábula da cigarra e das formigas. Eu e Ugo éramos cigarras, naquele
momento e não conseguíamos entender as formigas.
- Porra Martins,
vai deixar os irmãos na chuva?
Ele resistiu,
resistiu até onde deu, mas nos permitiu entrar em sua barraca, afinal de conta
éramos todos irmãos de farda (e quem queria perder as graças do Ugo, também
conhecido como Ugo Bocão, o soldado mais completo da companhia?).
De verdade nem
adiantava mais entrar na barraca, a farda, o coturno e até a pleura, já estavam
irremediavelmente molhados. Quando a chuva passou, no outro dia, colocamos as
roupas para secar e finalmente o Sargento Borba revelou o segredo para não
molhar a rede: mas já não adiantava mais, não choveu mais nenhum dia, dos três
que ficamos acampados ali.
[Ernande
Valentin do Prado publica no Rua Balsa das 10 às 6tas-feiras]
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