Maria Amélia Mano
Essa é a vida. Eu
vou sempre com meu baldinho e a minha pazinha de remexer na areia. Devagar,
quase de brincadeira, cutuco a parte seca onde o mar foi e voltou há mais
tempo. Pouco tempo. Olho a paisagem, sempre encantada, como se fosse a primeira
vez.
Mas sabe lá o que
provoca o mar, o que provoca a areia. Que voltas e re-voltas. Porque quando
coloco um montinho de areia na sua mão-mundo, uma retroescavadeira despeja
sobre mim, todo o entulho de uma noite, de uma vida. Por que a resposta é tão
imensa? Tão intensa?
Surpresa fico. Mas
reconheço que não é a primeira vez. Que não é o primeiro desabar, o primeiro
sangrar, o primeiro estancar e engolir para se desfazer e se refazer, em
silêncio. E calada fico, a espera. Até que a tempestade passe, até que consiga
caminhar no vento. Ainda quieta.
Porque a ausência de
palavras é a escolha de quem guarda para si e só assim quer que seja. Para si.
Para que o elaborar seja solitário como somos na maioria das vezes. Porque o solitário
é o mais profundo, mais verdadeiro. Porque o solitário é o que nos entende, na
essência dessa vida que é só e uma, só uma.
Não que a palavra
seja superficial ou falsa. Mas cada uma no seu momento de existir. E o momento
que antecede a decisão é o momento do nó de dentro, de limpar a areia de
dentro. Esse ritual é canto no altar de dentro, para os deuses nossos. Reza que
se reza de olhos fechados.
Depois, o momento da
falta de ar, de desenterrar pés e mãos, de retirar os excessos. E fica o
pequeno grão e essas conchinhas teimosas, coloridas, memórias de um tempo em
que o melhor era mesmo, nadar juntos na água morna. A gente pode mudar, a gente
pode decidir, mas, lá dentro, ainda somos surpresa e expectativa da criança de
baldinho, da primeira vez no mar.
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