27 março 2018

46.3


Maria Amélia Mano

Cólica menstrual. Presto atenção onde começa, para onde vai, se irradia, ainda sem a antecipação de uma possível saudade. Saudade de medo e possibilidade. Saudade de irritação, espera e alívio.

Curto todos os sinais do corpo, de sensação de corpo, já que essa é a minha maior dor de mulher, já que não carreguei filho no ventre, já que não pari. Já que, pela ordem natural dos tempos, vai durar pouco.

Há 34 anos, ela me acompanha. Confesso que nem sempre valorizei. Que quis negar ou não sentir, em nome de modernidade, da conveniência, da independência. Bobagem! Me desconheci. E voltei atrás, em tempo, me senti.

Óvulo não fecundado, fracasso da minha continuidade. Serei eu, esse ser único, sem herança. Não sinto tristeza embora saiba da emoção, da experiência de gerar, parir, nutrir, criar, cuidar.

Espero pelo fim, assim como esperei pelo começo. Desejo olhar para mim com mais serenidade e sabedoria, mais generosidade. Desejo olhar para a minha volta como uma construção cheia de desejo que nasce, todos os dias.

Resta em mim essa calma de compreensão e caminhada. Olhares para marcas de vida que me fazem mais tranquila, mas mais certeira nas inquietações. Nossas escolhas ou nossos limites. Nunca saberei.

Saberei de voar rumo ao que se acredita. Semear poros, cultivar no tato, desabrochar a flor da pele, uma nova planta, regar, acariciar, uma boa nova, sempre. Ciclos em fases de lua. Círculos em fases de vida.

E como quem abraça pela última vez alguém que não mais verá, cada mês é sensação de despedida. A certeza de que a vida deu o que tinha de melhor e o melhor é poder dar adeus com o olhar e agradecer.

Agradecer pela oportunidade, pela esperança, pela chance, pela presença e ausência. Agradecer pela natureza, pela dor que é ritual, pela passagem que é surpresa e certeza. Agradecer.

Um dia, como foi, irá. Um dia, como irá, também virá, em vento, e serei movimento. Folhas, pássaro, mata, raiz ganhando a terra. Sempre haverá uma espera. Sempre haverá um sonho. Sempre haverá.

Ilustração: Mònica Barengo

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