Maria Amélia Mano
Cólica menstrual. Presto atenção onde começa,
para onde vai, se irradia, ainda sem a antecipação de uma possível saudade.
Saudade de medo e possibilidade. Saudade de irritação, espera e alívio.
Curto todos os sinais do corpo, de sensação de
corpo, já que essa é a minha maior dor de mulher, já que não carreguei filho no
ventre, já que não pari. Já que, pela ordem natural dos tempos, vai durar
pouco.
Há 34 anos, ela me acompanha. Confesso que nem
sempre valorizei. Que quis negar ou não sentir, em nome de modernidade, da conveniência,
da independência. Bobagem! Me desconheci. E voltei atrás, em tempo, me senti.
Óvulo não fecundado, fracasso da minha
continuidade. Serei eu, esse ser único, sem herança. Não sinto tristeza embora
saiba da emoção, da experiência de gerar, parir, nutrir, criar, cuidar.
Espero pelo fim, assim como esperei pelo
começo. Desejo olhar para mim com mais serenidade e sabedoria, mais
generosidade. Desejo olhar para a minha volta como uma construção cheia de
desejo que nasce, todos os dias.
Resta em mim essa calma de compreensão e
caminhada. Olhares para marcas de vida que me fazem mais tranquila, mas mais
certeira nas inquietações. Nossas escolhas ou nossos limites. Nunca saberei.
Saberei de voar rumo ao que se acredita. Semear
poros, cultivar no tato, desabrochar a flor da pele, uma nova planta, regar, acariciar,
uma boa nova, sempre. Ciclos em fases de lua. Círculos em fases de vida.
E como quem abraça pela última vez alguém que
não mais verá, cada mês é sensação de despedida. A certeza de que a vida deu o
que tinha de melhor e o melhor é poder dar adeus com o olhar e agradecer.
Agradecer pela oportunidade, pela esperança,
pela chance, pela presença e ausência. Agradecer pela natureza, pela dor que é
ritual, pela passagem que é surpresa e certeza. Agradecer.
Um dia, como foi, irá. Um dia, como irá, também
virá, em vento, e serei movimento. Folhas, pássaro, mata, raiz ganhando a
terra. Sempre haverá uma espera. Sempre haverá um sonho. Sempre haverá.
Ilustração: Mònica Barengo
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