Maria Amélia Mano
O vulcão Fuego está em erupção na Guatemala e
minha mãe tem absoluta certeza de que saio amarrotada de casa. Muito importante
isso de sair engomada, roupa bem passada. Deve ser prova de boa educação, que houve
sucesso no ofício de me criar. Quando eu lambia reboco de parede, comia terra e
Vick Vaporub, ela me desculpava, justificava: é vermes ou nervos ou carência. Essa
última, provável motivo de culpa. Mães se culpando e filhos só querendo
descobrir a vida em novos sabores.
Sobre sabores, há fases. Sim,
uma hora a gente quer novidade. Outra, só quer o antigo, o conhecido, o
protegido, o seguro: momentos de hibernação consentida. Nem todos estão
dispostos a ficar nas filas de boates, correr nas savanas; nem todos podem e
precisam ter a sensualidade da pantera, do guepardo. Todos felinos lindos, mas desconfiados
e tensos. Obrigação de ser veloz, de ser fatal. Por isso escolhi ele, mamífero
de água quente e rasa cuja diversão maior é rodar lentamente sobre o próprio
corpo cilíndrico. Boto cor-de-rosa? Não, muita sedução para o momento.
Comprei um peixe-boi cinza
de pano, material molengo de bolinhas, marca de travesseiros de viagem.
Espatifei ele na minha cama, satisfeita com a nova companhia em tempos de
solitude desejada. Aquela entressafra entre um amor e outro, vaziozinho
necessário em que o mais sexy que conseguimos ser é dormir com camiseta do
Aedes, o mosquito da dengue que não é dengo. Dengo é se deixar identificar, sem
culpa, com John Denver e ele, o peixe que não é peixe, rodando em volta de si, em
absoluta calma de rio morno amazônico. Restrições de movimento abaixo de 15
graus. Delícia!
E o amigo fofo sugere
tempos de experimentações. Curso de Florais de Bach para animais, aprofundamento
em levedura de cerveja, terapia xamânica, alinhamento de chacras, oratória e
liderança, francês com refugiados, manipulação de marionetes, pandeiro, crônicas,
o-que-você-sempre-quis-fazer, sim, o tempo é seu! Perca ele em tardes
filosóficas estabelecendo diferença entre canjica, polenta, pamonha, mungunzá e
cuscuz. Responda pesquisas de satisfação e, por favor, não trate mal a menina
do telemarketing. Só minta que viajará sem data de volta e a chame de querida.
Ninguém a trata bem.
Em uma noite, o peixe-boi cairá da cama dando
espaço para um outro ser que, espera-se, seja também mamífero, mas role mais na
sua volta do que em volta de si próprio, mas nunca se sabe. Calma! O fofo
continuará lá, fiel, para momentos seus, só seus, valiosos momentos. Aqueles em
que não se tenta convencer ninguém, nem a gente, de nada. Mas não saia de roupa
amarrotada em sinal de liberdade. Mãe não é peixe-boi, não estará sempre junto
se culpando e justificando nossos sabores exóticos. Ela não quer abandono, marcas,
vincos, rugas. Compre um ferro de passar a vapor. Ela está certa.
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