Maria Amélia Mano
Dona Alba, faxineira, limpa
e arruma as mesas do galpão. Seu Reginaldo, vigilante, ouve no radinho tributo
a Benito de Paula e a admira, apaixonado, mas respeitador. Dona Alba finge que
não nota, mas gosta dos olhares. Usa saia longa e blusa de manga sem decote,
mostra quase nada, destila no calor do trabalho. Nega certo desejo: a religião
não permite muita alegria para uma recém viúva. Ao som de Retalhos de Cetim, ela
segue no ofício de varrer os resquícios ainda quentes da madrugada selvagem:
festa rave privê.
Foi longa e louca a noite. Altos
decibéis de alucinada e pulsante música eletrônica. Homem negro imenso usava pulseira
em espiral de neon rodeando o braço e fazendo pole-dance. Mulher musculosa com
óleo no corpo cuspia fogo e, perto dela, um casal de gênero indefinido e
cabelos vermelhos fazia performances sensuais. Um homem usando fantasia de
unicórnio dançava em cima do balcão onde havia, além de copos de uma bebida com
catuaba, uma caixinha fosforescente com balinhas-de-fazer-feliz
romanticamente embaladas com papel rosa choque.
Jogos de luz, sombra e
fumaças de todos os tons davam o ar desejado de inferno e céu, escuridão e
claridade em flashes de doer olhos. Havia espaços reservados com sofás e pufes
burlescos onde casais, grupos, junções indescritíveis se entregavam a danças e compulsões
químicas, físicas e línguas trêmulas projetadas nos telões. Muitos se
arriscaram no touro mecânico. Dona Alba jamais imaginaria tanta perversão. Sequer
entendia as camisinhas de diferentes cores, formas e texturas. Seu Reginaldo só
observava, assobiando Meu Amigo Charlie Brown, junto com o radinho.
Ao meio dia, no galpão
vazio, bate cansaço e fome. A faxina ia longe. Seu Reginaldo, timidamente,
disse que tinha trazido marmita pra dois. Dona Alba aceita com algum receio,
sorriso discreto, olhos baixos. Agradecida, disse que tinha uma doçura pra sobremesa:
uma balinha com papel rosa choque que tinha achado em caixinha linda e brilhosa,
sobra da festa. E os dois se sentam juntos e se servem ao som de Mulher
Brasileira. Dona Alba e Seu Reginaldo jamais seriam os mesmos.
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