Maria Amélia Mano
A mulher na janela vê as
meninas em ciranda na rua. Lágrima corre na ruga do rosto. Lembra que nasceu
quando constelações se entrelaçavam e um meteorito ameaçava cair nas terras
vizinhas. Não veio o fogo, mas veio a claridade em choro tão melodioso que mais
parecia canção. Com minutos de vida, acariciou o seio e mamou tão esfomeada e
sedenta que, já exausta, a mãe dormiu por horas seguidas.
Demorou a deixar o peito,
caminhou cedo. Gostava de andar de pés descalços, de ajudar no jardim e mais
ainda, no quintal, nas ervas para chás e cuidados. Aprendeu a semear, a esperar
broto e colheita. Aprendeu o tempo da terra, das luas e das águas dos rios que
gostava de se banhar, nua. Tinha amigos especiais, além dos animais que amava, companheiros
de poucas palavras, muitas caminhadas e abraços.
Gostava do silêncio, da
calma. Respirava lento e suave, em tempo de se sentir e se escutar, se perdoar
e perdoar dores, amores, esquecer mágoas. Sobre eles, os amores, teve muitos,
mulheres, homens e nunca pediu presença, obrigação, pouso, eternidade. A vida
era mesmo tão cheia de caminhos, de passos, de posses, de vazios, estios e
cios. Não carecia o cansaço da algema imposta.
Em manhã de outono, teve
visão sem susto ou surpresa. Esperou até a primavera para amar como nunca e
sentir movimento no ventre. Sabia, pela forma do corpo, pela cheia da mama: era
menina. E pariu sozinha e sorrindo, Tereza. Tereza era mágica como a mãe,
gostava de deitar na grama, de banho de chuva, de por de sol, de nascer de lua,
de esperar eclipses. Mas temia os animais e a mãe rezava e inventava feitiços,
sem sucesso. Restava acalmar o choro na noite, abraçando Tereza em sonhos.
Tereza foi virando movimento
e paixão, ventania. Amava ciranda, roda gigante. E dançava sozinha nas festas, ao
som dos tambores. E veio o circo de lona colorida. Quando o circo se foi, Tereza
se foi junto, em aventura, em amor por trapezista que voava no ar, que se
equilibrava em corda segurando buquê de rosas e perfume de lavanda, só pra ela.
As cartas vieram depois, pedindo perdão e conselho no novo ofício de domadora
de leoas.
A saudade ainda atravessa a
alma e a ciranda das meninas na rua, desde a janela, trazem a lágrima,
ingrediente que a mãe coloca em receitas no caldeirão de poção fervente. Na
cozinha, junta ervas, rezas e mistérios em pequenos frascos, pede por inspiração
e calma, sedução, feitiço sem açoite, sem violência, pra acalmar feras. No
circo, Tereza se deita entre as leoas, sem medo. Na noite, mãe e filha se
abraçam em sonhos.
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