Maria Amélia Mano
Disseram que Vó Pequenina
tinha problema de açúcar e memória. Mas era mentira de adulto, a gente bem
sabia. Vó Pequenina era doce e amava minhas pastilhas de hortelã da Garoto, as
que sempre dividia com ela, escondido. Nunca lhe fez mal. Era um dos muitos
segredos nossos. Também sempre lembrava de mim, das minhas bonecas e da música
sertaneja que cantávamos juntas, que escutávamos no rádio antigo. E ainda tinha
ele, o gato cafajeste.
O primeiro dia em que ele veio,
o gato, e se sentou nos pés da cama de Vó Pequenina, ela esbravejou. Invasor
enxerido, folgado, entrando pelo muro, pela janela do quintal. Logo um gato,
coisa que nunca foi do gosto dela. Da segunda vez, também esbravejou, não
porque esqueceu. Mas pra não perder a moral, o costume, o esporte. A fama. Só
que dessa vez, Vó Pequenina encolheu de leve as pernas pra o metido se acomodar
melhor nos pés. Gato insistente.
Da terceira vez, não
esbravejou mais, só encolheu os pés e ele, o gato, já dono daquele espaço
quentinho e familiar, se esticava orgulhoso. Quando um dia ele não veio, Vó
Pequenina sentiu falta. Consolei ao som de Chitãozinho e Xororó. Gatos são
assim, não sabe? São boêmios, incertos, livres. Uma hora desaparecem, uma hora
aparecem. E apareceu. E dormiu a noite seguinte inteirinha nos pés de Vó
Pequenina, encolhida e feliz. Batizamos ele de Chitão. Longe dos olhos e dentro
do coração. Gato sedutor.
E nos divertimos muito por
um tempo. Vó Pequenina brincava com minhas bonecas melhor do que eu. Uma noite,
esqueceu da sua própria imagem no espelho. Uma manhã, esqueceu de acordar. Comecei
a confiar nos adultos. Entendi o que era céu e anjos. Entendi a canção: há uma
nuvem de lágrimas sobre meus olhos. Chorei. Mas cresci com a certeza de que Vó
Pequenina nunca esqueceu das músicas, das pastilhas Garoto e de mim que me
encolho pra Chitão dormir nos meus pés. Esse gato sem conserto.
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