Maria Amélia Mano
Espera de ônibus, lembro meu
pai levando família ao aeroporto pra ver os aviões subirem e descerem, coisa terna
de caipiras que se impressionam com tecnologias e sei, ainda sou caipira,
caipira pontual e a hora me assusta e o calendário me dá medo, ano passou e
passou com resgate de meninos de caverna na Tailândia, de submarino na
Argentina, de refugiados, na página do jornal que também diz que o Centro
Gaúcho de paraquedismo e a NASA estão em festa: chuva de meteoritos Leônidas
vai iluminar céu das grandes cidades, na parede do abrigo de ônibus os anúncios
de empregos e eu querendo que nasça um cajueiro no asfalto, uma alfaia, que
passe um maracatu gigante, coisa de acordar andarilho e espantalho e esse homem
negro e forte que fica na porta da loja de vigia, fingindo valentia, com medo
de morrer porque não sabe usar arma, só quer criar filho, que é orgulho de
vida. Mas importante é casamento em resort e fundo de capital de risco no Vale
do Silício antes dos trinta anos e criança na parada negocia vale transporte e cartão
assistencial na porta do ônibus, também troca por Coca-Cola que ninguém é de
ferro, ainda mais com essa música gospel Deus,
só ele sabe minha hora e eu querendo Georgia
in my Mind em harmônica e o café da menina que no primeiro dia de trabalho na
padaria derrama bandeja e esconde pra não levar bronca, tem medo como tem o
homem negro da loja que olha o filho dormindo, orgulho de vida. Escuto Adriana
Calcanhoto que canta Devolva-me e
tinha que ser devolva-se, que melhor
resgate é de nós, aceites de nós, de mim e eu, sorrindo, penso nessa cidade de
jacarandás e casquinha queimada de bolo da técnica de enfermagem me esperando,
Bethânia cantando Gonzaguinha, sol depois da chuva, mãe dormindo no sofá vendo
televisão e as luzes de Leônidas que, quem sabe, inspirem músico, Hermeto, pra
tocar bule e colher de café, aquele da menina da padaria que virou aeromoça e passa
voando e voando, lá de cima, longe dos caipiras que amam ver pouso e aterrisagem, infância minha e essa
canção de resgates ainda não feita, Devolva-se,
é minha frase de caminhão, o que aprenderei a dirigir em 2019, com carga de
sonho e loucura, desejando fazer criança da parada brincar e que brote surpresa
do asfalto, um baobá, um berimbau pra fazer homem negro que não sabe atirar dançar
com filho, que é orgulho de vida.
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