Maria Amélia Mano
Já no avião.
Estou voando de volta,
como ave que migra, como somos. Nossas terras mágicas e distantes. O mundo lá
embaixo é pequenino como nós. Quanto mais alto, menor, mais distantes e mais
reais somos. A aeromoça me olha com estudada compaixão profissional, está acostumada
com olhos úmidos. Quase peço um abraço apertado e pergunto: você viu passar a
fagulha que acendia fogueiras e aquecia invernos? Aquela que esperava remotos
verões em algum polo da terra? Será que se foi como descuido, como quem deixa
cair papéis dos bolsos, conta de luz, boleto de condomínio? Tudo assim, tão
banal quanto sobreviver?
Procuro e não acho. A lágrima
está aqui, nas minhas mãos abertas. Está ela lá e cá perto. Me persegue, vem
comigo, voa comigo. Escorre, evapora, decanta, se liquefaz e cai de novo. Somente
essa água toda, essa ilha no escuro, no meio do mar, onde a lua cheia esvazia e
avermelha faz sentido e conta histórias de constelações, ciclos, signos, sinas.
As nossas, reencontradas, tantas vezes, entre rio e mar, fronteira e centro do
mundo, ser-tão, uni-verso e cantiga de caminhos. Olho a pequena janela de
nuvens. A aeromoça repete a pergunta: biscoito salgado ou doce? Doce. Sempre
doce, para o sentimento aterrado e aterrissado.
Pousei.
No
saguão, avisam que as bagagens especiais estarão disponíveis no balcão dos
frágeis, retirar ao lado da esteira oito. Gostei do balcão dos frágeis. Quase
corri pra lá. O atendente deveria ser sensível pra essas fragilidades
indisponíveis nos carimbos das companhias aéreas. Achados e perdidos, para onde
eu iria? Sim, não perco a oportunidade de rir de mim mesma. Mas ainda não achei
os boletos e as contas, as fagulhas. Descuidos imperdoáveis em uma vida que precisa
de atenção plena. A mesma do goleiro que defende o pênalti, do arqueiro antes
de lançar a flecha, do malabarista do salto mortal.
Não se
preocupem. Não abracei a aeromoça, não conversei com o atendente do balcão dos
frágeis, tampouco no balcão dos perdidos, mas pagarei o atraso das contas. Vicente,
o simpático motorista do táxi se dizia anjo e falava de espíritos e missões.
Lembrei do Nicolas Cage que voava por Los Angeles e desistia da eternidade pelo
amor. Depois lembrei de outro Vicente, Van Gogh, que nunca voou, desistiu do
amor, da vida e virou eterno. Vincent dizia que exprimia a esperança, pintando
um punhado de estrelas. Talvez eu comece a pintar aquarelas. Essa cor que
precisa da água de mil lágrimas para existir.
Em casa.
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