14 fevereiro 2019

Para instante para agora [Julio Wong Un]





O para sempre sempre acaba
Renato Russo 


Pensava que sempre teria as presenças.
Que não iria longe nem perto nem nada. 
Que haveriam Renato Russo Chico Science Manoel de Barros.
Que sempre ela estaria comigo nas caminhadas leves na Cidade Baixa.
Que nunca me distanciaria do abraço dessa menina em Santa Teresa olhando para essa floresta mágica.
Que a alegria das manhãs em Cuzco sempre me acalentaria enquanto bebíamos café de Quillabamba. 
Que a solidão não existiria mais. 
Que as filhas seriam sempre essas bolinhas de ternura aconchegadas e que nunca deixaríamos que sofressem. 
Que sempre haveria conversas de bar com amigos do coração. 
Que aquela estrada de terra em Cajamarca sempre nos convidaria para comunidades, trabalhos bons, surpresas sábias. 
Que seu Andrés Zevallos sempre nos traria uma luz colorida, um copo de Tio Pepe, uma boa história camponesa, um trabalho in progress impressionante.
Que haveria sempre de brigar discretamente com meu pai, tão ausente e tão presente em tudo de fiz, decidi, inventei, não terminei.
Imaginava talvez que teria tempo para resolver tanta coisa antes de ir-me embora desta vida.
Que os estudantes de medicina que chegavam semestre a semestre nunca seriam residentes especialistas país e mães procurando felicidades. Que seriam para mim - sempre - esses meninos lindos que aparecem plenos de sonhos de meninos e de meninas. "Mudar o mundo" "Cuidar das pessoas" "Tocar o coração dos que sofrem". Dar risada. Paquerar. Sonhar justiça. Sonhar beleza.  
Pensava a minha mãe sempre forte, sempre presente, sempre alegre.
Sonhava eu na família de Pelotas, bebendo um chima, com a companheira que eu, simplista, imaginei definitiva.

Sempres. Nuncas. Esquirlas. 

Sentia que sempre de manhã haveria a voz crítica e humana do Ricardo Boechat me acompanhando pelo fone de ouvido enquanto atravessava bairros, ruas, pontes, dias, anos.

Ele/Eu achou/achei.

Que os amores enormes que viveu/vivi nunca se iriam. Que nas madrugadas como hoje ele olharia o corpo suave e repousado da amada entrando na manhã com paisagem de floresta da Tijuca, ou corpo nu adormecido com luz atravesando as janelas da Alberto Torres. Ou acordar com o som de pássaros da Calle  7 Angelitos / San Blas. Sempre. Sempre. 

Em meia hora 5 anos se quebram. 
Em um minuto se destrói uma aeronave. 
Em instantes somados se desfazem rumos parceiros amantes amados. 
Uma frase solta destrói aquilo que sonhávamos plano projeto projeção convivência de uma vida.
O descuido nos faz virar no automático em direção oposta, errada, errática.

O amor da tu vida vira fantasma silencioso com quem somente fala em sonhos ou em viagens de Daime.

Em duas semanas o pai - seja Julio, seja Victor - vai-se embora, em coma, em morte dormida aprazível, em poema bobo que tantos amaram e eu sem entender o por quê de tanto afeto por um poema imperfeito.

E a solidão é a única constante na base dos encontros.

E o encantamento no encontro no instante é infinito.

Sonhos. Instantes. Não sair deles é a sabedoria. A soma dos instantes se perpassa no beijo. Na transa. No fluir do vento acelerado. Na calmaria após os tiroteios. Nos mares que nos mostram espadas carícias deuses micro-organismos ciladas abraços. E sempre no poema. No texto de poesia. Na conversa secreta dos amantes. Instantes. 

Pensava que sempre teria aqueles que se foram. Aqueles que deixei. Aqueles que me visitam em sonhos ou em lembranças. Sentia que não foram. Que estão comigo. Que o sonho é uma porta. Que a sensação intensa de sermos e não sermos se faz assim pausada. 

Para instante para agora todas e todos voltam. Beijo múltiplo. Abraço de todos. 

Hoje renasço no instante. E sou simples verso ou poema que flui entorpecido bebê.

A cada amanhecer um presente. Um espanto. Um encantamento.

Sou vida e morte reunidos. Sou simplesmente aquele que ainda não resolveu o passado nem o futuro. Sou instante sem plano sem lei sem futuro.

Paro agora de imaginar. Paro mesmo. Aceito o que este vento me traz desde o Ganges, desde o Rímac, desde o Urubamba, desde as paineiras, desde as cachoeiras, desde o oceano de Itacoatiara, desde as águas todas que me habitam. 

Avatar tempo mundo. Fui.



Icarai, madrugada fervente.



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