15 fevereiro 2019

AGORA ACABOU


Ernande Valentin do Prado
Lugar errado. Ernande, 2018.

Ana olhou o corpo nu imóvel a seu lado na cama. Disse a si mesma:
— Agora acabou.
Passou a mão pelo rosto pálido, pelos olhos que não se abririam mais para vê-la. Levantou-se com cuidado da cama, lentamente, como se tomasse cuidado para não o acordar. Vestiu-se vagarosamente, como num ritual. Sabia que ele gostava de olhar: primeiro a calcinha (que ele insistia que não usasse), depois o sutiã, o vestido preto (apropriado para ocasião) e os sapatos.
Colocou os brincos nas orelhas (que ele beijava e dizia serem as mais delicadas que já viu), os anéis nos dedos curtos de unhas perfeitas (como ele não cansava de elogiar), a correntinha com crucifixo já estava no pescoço (única peça que cobria seu corpo quando estavam juntos). Por último colocou a aliança de ouro maciço no dedo certo (aquela mesma que ele não suportava ver e por isso ela tirava antes de se encontrarem).
Pegou a pequena bolsa de couro (que talvez ele nunca tenha reparado ser Prada), de dentro tirou o único batom que carregava (rosado, como ele amava), no espelho ajeitou o contorno dos lábios. Por um segundo pensou no marido, nos filhos que deviam estar esperando por ela em casa.
Na porta, antes de sair, olhou uma última vez para trás e repetiu:
— Agora acabou mesmo.
 [Ernande Valentin do Prado publica no Rua Balsa das 10 às 6tas-feiras]




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