Ernande Valentin do Prado
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Lugar errado. Ernande, 2018. |
Ana olhou o corpo
nu imóvel a seu lado na cama. Disse a si mesma:
— Agora acabou.
Passou a mão pelo
rosto pálido, pelos olhos que não se abririam mais para vê-la. Levantou-se com
cuidado da cama, lentamente, como se tomasse cuidado para não o acordar. Vestiu-se
vagarosamente, como num ritual. Sabia que ele gostava de olhar: primeiro a
calcinha (que ele insistia que não usasse), depois o sutiã, o vestido preto
(apropriado para ocasião) e os sapatos.
Colocou os brincos
nas orelhas (que ele beijava e dizia serem as mais delicadas que já viu), os
anéis nos dedos curtos de unhas perfeitas (como ele não cansava de elogiar), a
correntinha com crucifixo já estava no pescoço (única peça que cobria seu corpo
quando estavam juntos). Por último colocou a aliança de ouro maciço no dedo
certo (aquela mesma que ele não suportava ver e por isso ela tirava antes de se
encontrarem).
Pegou a pequena
bolsa de couro (que talvez ele nunca tenha reparado ser Prada), de dentro tirou
o único batom que carregava (rosado, como ele amava), no espelho ajeitou o
contorno dos lábios. Por um segundo pensou no marido, nos filhos que deviam
estar esperando por ela em casa.
Na porta, antes de
sair, olhou uma última vez para trás e repetiu:
— Agora acabou
mesmo.
[Ernande
Valentin do Prado publica no Rua Balsa das 10 às 6tas-feiras]
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