19 março 2019

LUNAÇÃO


Maria Amélia Mano

Luana é empregada doméstica e pra inteirar o da padaria, faz pequenas costuras: barra de calça, pence em cós de saia, bainha, botão, bordado pequeno, remendo, arruma manga, prende renda. Perdeu um dente aos 18 anos e outro, aos 24. Dentes da frente. Então, ela sorri com a mão na boca, tapando sorriso. Sempre assim. Já é hábito sorrir assim, escondido, meio-sorriso. Ama o céu, lê revistinhas de signos e previsões de futuro. Luana é de Sagitário.

Eclipse, poucos minutos de sombra de lua. Dizem que as marés mudam, que apressam os partos, que as mulheres embruxam, dançam, enfeitiçam. Dizem também que há mutações, tempestades que não vemos em cima do céu que vemos, recados misteriosos do universo, intuições que segredam destinos. Luana sabia, sentia, era lua nova, era tempo de despedida e subiu ao vigésimo andar.

Luana, escreveu o que seria sua última carta. Não dizia o óbvio “não aguento mais”, mas o “eu aguento, mas não quero”. E pediu perdão a todos e deixou seu bem maior, caixinha de música francesa que ganhou da patroa de Áries para a vizinha amiga de Gêmeos e beijou a assinatura com batom e escreveu cansaço com dois esses. Luana suicida, sem sentido e sem medo, mas também sem coragem de dar o derradeiro passo.

Do alto, no vento, o antigo perfume de rosas da mãe, o perfume de todas as rosas e de todas as mães. Vento que é carícia e desespero, razão para sair e ficar, meio do caminho, quando a gangorra faz as duas crianças ficarem com os pés fora do chão, voar angustiado de quem desconhece o pouso, o pouco, o poema, o beijo e o poejo de curar dor de barriga.

E barriga avisa fome. Ruído, orquestra de cordas entre carnes, violinos causam comoção em cada agudo. Tambores teimosos e tubas em tum-tuns, tons loucos e ocos sons. Flauta que fia o dia em costura de anoitecer quando a linha do horizonte borda dois pássaros negros em voo. Com eles, no céu, a lua nova vem, vai, voando, vagueia, vadia, voltando em vertigem para o lugar de voltar e uma voz-canção avisa: já passou.

É Zé, o marido de Luana. Zé tem carroça, faz frete e limpa pátio. Homem bom que impede, sempre, a cada eclipse de lua nova, o corte, a corda, a queda de Luana. Nas mãos de Zé, ternura, carinho, calo, coca-cola e um pão com ovo para dividir. Ele repete: já passou. E olham juntos o céu, tudo no lugar. Saem de mãos dadas partindo pão e matando fomes e silenciando barriga e rua e dia. Consegui um adiantado pra arrumar teus dentes, amor, diz Zé. Zé que faz Luana aguentar. Zé que é de Libra.

E Luana sorri e põe a mão na boca, como sempre, como uma lua na frente do sol. 



P.S.: texto antigo,da Oficina Mosaico de 2017 mas que revivo neste dia que é meu, como um de meus escritos preferidos.

2 comentários:

  1. Senti o vento que soprou la de cima.

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  2. TRATAMENTO NATURAL E EFICAZ DA APREENSÃO
    Eu estou feliz hoje que meu filho tem sido curado de convulsão, o que ele teve por 10 anos agora, ele tem o ataque de cinco a sete vezes por semana, o que afeta seu sistema educacional e sua vida. Quando eu estava passando pela internet me deparei com Owens post agradecendo Dr. Lewis colina para curar seu problema de apreensão, e eu tenho o contato do Dr. Lewis colina eu rapidamente em contato com ele, então ele me fez saber que a medicação é 100% de cura e Foi assim que eu peguei o remédio que usei para o meu filho, depois do qual levei meu filho para um exame médico. Funcionou! Mais de um ano, meu filho não apresentou nenhum sintoma de convulsão e acredito que meu filho está curado se você precisar da ajuda dele para mandá-lo por e-mail drlewisadodo@gmail.com

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