Maria Amélia Mano
Não há tempo para o que
não se deseja fazer.
Para o que se deseja
verdadeiramente há sempre tempo, se está sempre a tempo, não se é nunca muito
velho...
Alejandra Pizarnik
Já te aviso que será em
algum dia de outubro. Mês não tão frio, não tão quente. Saberás pela mídia
primeiro do que pela família ou amigos. Pode ser que não te procurem, porque já
não és. Mas precisarei de ti, como sempre. Não te assombres se não te buscar.
Ando distraída, sabes, preguiçosa, alterada, atrasada. Perco a hora e parte da
manhã me escapa. O dia me escapa. Todo um tempo me escapa. Escapa.
Mas, agora, o que me
embala esperança e vida é esse dia de outubro. Dia que planejo enlouquecer, enquanto
lavo pratos, seco louças, estendo roupas, guardo panos, tiro cascas, despejo
lixo, supero dores, engano entranhas; caço palavras, empalho esperanças,
perfuro segredos, devolvo cansaços, busco vestígios de vontades, escorro pelo
chão, pelas minhas mãos vazias. Vazias.
Será de dia, claridade.
Tu sabes que a escuridão me dá medo. Gosto daquela placa na estrada: no
interior do túnel, acenda os faróis. Porque sempre esqueço e não acendo nenhuma
luz. Então, me perco em casa, nas gavetas da cômoda que mal cabem meus
desesperos, essas poeiras da alma, essas palavras que cuspo, vomito e me
equilibro, desço, me escapo de mim. De mim.
Mas virá a primavera
tardia, outubro. Enfrentarei meus relevos, montanhas, planaltos. Pularei. Me
arriscarei como me arrisquei quando entrei no teu olhar e nunca mais saí. Sabes
que de ti, nunca regressei. Então, serei fuga nesse dia inteiro. Eu, inteira,
mesmo que detida, despudorada. Darei só uma volta no parque descalça e nua. Que
é pra me rebatizar e ser outra. E de novo me amar. Me amar.
Texto para a Oficina Santa Sede - Circuito
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