06 setembro 2019

PRÁTICAS INTEGRATIVAS: OBSERVAÇÕES IMPERTINENTES



Ernande Valentin do Prado


Depois de uns três dias com dores no que parecia ser o nervo ciático, procurei um terapeuta que trabalha com práticas integrativas e complementares. 
O Silva Cunha é muito bom, você vai adorar ele,
diziam os colegas, não um, não dois, vários colegas se somavam em elogios, e um desses tomou a iniciativa de agendar o atendimento.
Numa quarta-feira, logo depois do almoço, fui ao serviço e me disseram que ele começava a atender às 15 horas, por ordem de chegada. 
Achei estranho, muito estranho o atendimento começar às quinze horas e mais estranho ainda ser por ondem de chegada. Essa forma impessoal de organizar a agenda e o atendimento, do Silva Cunha, uma lenda entre os precursores das práticas Integrativas e Complementares no Sistema Único de Saúde (SUS), pareceu ser exatamente a mesma de qualquer Unidade básica de saúde (UBS) ou de clínicas particular, dessas que faz atendimentos em série. 
— Será possível o conteúdo ser revolucionário se a forma reproduz o vertical, o tradicional mais tradicional do tradicional?
Para piorar meu desconforto (e desconfiança), o terapeuta que me aplicaria as ventosas, prática complementar não medicamentosa e que resolveria meu problema, chegou quase uma hora depois do programado. Estacionou seu carro normalmente, como qualquer outro terapeuta farmacológico prescritivo. Saiu do carro vagarosamente e seguiu com passos lentos, sem pressa, como se não estivesse atrasado, como se o tempo das pessoas que procura por seus cuidados não fosse tão importante quanto o seu, como se ninguém estivesse lhe esperando (e o ninguém, entre outros, era eu). 
No centro holístico, aguardei meu número ser chamado, exatamente como aguardei quando estive na UBS perto de casa, exatamente como aguardaria em qualquer outro serviço, público e privado, em que os profissionais se fazem esperar, pois organizam o tempo e o serviço segundo as suas conveniências, não e quase nunca, segundo o que é mais apropriado aos usuários.
Na maioria dos serviços, primeiro pensa-se a comodidade do trabalhador, do gestor da saúde, depois, se for possível, pensa-se na conveniência do usuário. Isso vale para os horários de atendimento e para a forma como se atende, com mais ou menos atenção, quase sempre com menos, bem menos do que o necessário para a pessoas sentir-se acolhida. 
Certa vez, com dores terríveis no ombro, fui a UBS perto de casa. A médica disse ser bursite e o Toninho (amigo de coração) disse ser doença de ex-presidente. 
— Não sei, só sei que doía muito.
Ela prescreveu um potente anti-inflamatório, que comprei por trinta e tantos reais na farmácia mais próxima (depois de pesquisar o menor preço).
Na UBS o atendimento foi o básico de um profissional farmacológico que ostenta apenas a fama de nem olhar na cara do “freguês”. Já no centro holístico, contrariando todas as indicações, todas as sensações, ainda mantive a esperança de um atendimento que redimisse as minhas impressões iniciais. 
Então, lá pelas tantas o Silva Cunha saí na porta do consultório e me chama pelo nome: 
— Ernande, 
entrei e ele saiu, dizendo que já voltava. Eu fiquei ali esperando, como em qualquer outro atendimento, em qualquer outro serviço onde você é chamado pelo número.
Depois ele voltou, perguntou onde doía. Eu expliquei.   
Ciático,
disse ele, como diria qualquer terapeuta não holístico, sem fama alguma.
— Você faz algum exercício,
perguntou Silva Cunha.
Caminho mais ou menos uma hora e meia por dia,
respondi. Ele rebateu de imediato, sem pensar, sem respirar, sem considerar:
caminhada não é exercício. Quem não faz exercícios diz que caminha.
Eu não disse nada. Só senti minha esperança ser pisoteada, como as rosas vermelhas esmagadas pelos pés do ex-governador da Califórnia, no Exterminador do futuro. Lembra da cena do filme?
Ele continuou:
você tem que fazer Pilates, sei que é caro, mas é bom e você tem que fazer. E repetiu:
caminhar não é exercício, é desculpa de quem não faz exercício.
Só faltou me dar o cartão de alguma academia de Pilates.  
“O cara” da terapia integrativa e complementar não sabia nada sobre mim, nem quis saber. Não sabia nada sobre meu orçamento e nem quis saber. Não sabia onde eu morava, onde trabalhava, nem o que eu fazia, nem quis saber. Não sabia se eu já havia tido essa dor antes ou outra dor qualquer. Nada. 
Nada sabia e nada perguntou, nada anotou, até porque nada perguntou que merecesse ser anotado. Igualzinho a terapeuta do anti-inflamatório, aquela da UBS perto de minha casa.
Eu continuei mudo, perplexo, me sentido traído…
Quase sempre a pessoa que deseja ser tratado como mais do que uma dor, mais do que um mal-estar, mais do que  um desgosto, é deixada de lado. Será pedir demais que ao menos nos centros holísticos o atendimento seja voltado para a pessoa e não apenas para a doença?
Embora pareça que não houve diferença entre o atendimento de Silva Cunha, do Centro de Práticas Integrativas e Complementares e o da Médica, da UBS tradicional de perto de casa, houve. 
O anti-inflamatório funcionou. 
Depois da primeira aplicação, a dor no ombro sumiu e depois da terceira, não voltou mais, até hoje, mais de 365 dias depois.
Já o atendimento do famoso Silva Cunha, só fez a dor amenizar por algumas horas e, enquanto escrevo essa crônica, quase 60 dias depois, a dor continua e a sensação de traição também.
Estou pensando em voltar ao consultório para uma nova consulta.
— Se estivesse em meu lugar, qual dos dois profissionais você procuraria? 

[Ernande Valentin do Prado publica no Rua Balsa das 10 às 6tas-feiras]


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