Ernande
Valentin do Prado
Depois
de uns três dias com dores no que parecia ser o nervo ciático, procurei um
terapeuta que trabalha com práticas integrativas e complementares.
— O Silva Cunha é muito bom, você vai
adorar ele,
diziam
os colegas, não um, não dois, vários colegas se somavam em elogios, e um desses
tomou a iniciativa de agendar o atendimento.
Numa
quarta-feira, logo depois do almoço, fui ao serviço e me disseram que ele
começava a atender às 15 horas, por ordem de chegada.
Achei
estranho, muito estranho o atendimento começar às quinze horas e mais estranho
ainda ser por ondem de chegada. Essa forma impessoal de organizar a agenda e o
atendimento, do Silva Cunha, uma lenda entre os precursores das práticas
Integrativas e Complementares no Sistema Único de Saúde (SUS), pareceu ser
exatamente a mesma de qualquer Unidade básica de saúde (UBS) ou de clínicas
particular, dessas que faz atendimentos em série.
—
Será possível o conteúdo ser revolucionário se a forma reproduz o vertical, o
tradicional mais tradicional do tradicional?
Para
piorar meu desconforto (e desconfiança), o terapeuta que me aplicaria as
ventosas, prática complementar não medicamentosa e que resolveria meu problema,
chegou quase uma hora depois do programado. Estacionou seu carro normalmente,
como qualquer outro terapeuta farmacológico prescritivo. Saiu do carro
vagarosamente e seguiu com passos lentos, sem pressa, como se não estivesse
atrasado, como se o tempo das pessoas que procura por seus cuidados não fosse
tão importante quanto o seu, como se ninguém estivesse lhe esperando (e o
ninguém, entre outros, era eu).
No
centro holístico, aguardei meu número ser chamado, exatamente como aguardei
quando estive na UBS perto de casa, exatamente como aguardaria em qualquer
outro serviço, público e privado, em que os profissionais se fazem esperar,
pois organizam o tempo e o serviço segundo as suas conveniências, não e quase
nunca, segundo o que é mais apropriado aos usuários.
Na
maioria dos serviços, primeiro pensa-se a comodidade do trabalhador, do gestor
da saúde, depois, se for possível, pensa-se na conveniência do usuário. Isso
vale para os horários de atendimento e para a forma como se atende, com mais ou
menos atenção, quase sempre com menos, bem menos do que o necessário para a
pessoas sentir-se acolhida.
Certa
vez, com dores terríveis no ombro, fui a UBS perto de casa. A médica disse ser
bursite e o Toninho (amigo de coração) disse ser doença de ex-presidente.
—
Não sei, só sei que doía muito.
Ela
prescreveu um potente anti-inflamatório, que comprei por trinta e tantos reais
na farmácia mais próxima (depois de pesquisar o menor preço).
Na
UBS o atendimento foi o básico de um profissional farmacológico que ostenta
apenas a fama de nem olhar na cara do “freguês”. Já no centro holístico,
contrariando todas as indicações, todas as sensações, ainda mantive a esperança
de um atendimento que redimisse as minhas impressões iniciais.
Então,
lá pelas tantas o Silva Cunha saí na porta do consultório e me chama pelo
nome:
—
Ernande,
entrei
e ele saiu, dizendo que já voltava. Eu fiquei ali esperando, como em qualquer
outro atendimento, em qualquer outro serviço onde você é chamado pelo número.
Depois
ele voltou, perguntou onde doía. Eu expliquei.
— Ciático,
disse
ele, como diria qualquer terapeuta não holístico, sem fama alguma.
— Você faz algum exercício,
perguntou
Silva Cunha.
— Caminho mais ou menos uma hora e meia
por dia,
respondi.
Ele rebateu de imediato, sem pensar, sem respirar, sem considerar:
— caminhada não é exercício. Quem não faz
exercícios diz que caminha.
Eu
não disse nada. Só senti minha esperança ser pisoteada, como as rosas vermelhas
esmagadas pelos pés do ex-governador da Califórnia, no Exterminador do futuro.
Lembra da cena do filme?
Ele
continuou:
— você tem que fazer Pilates, sei que é
caro, mas é bom e você tem que fazer. E repetiu:
— caminhar não é exercício, é desculpa de
quem não faz exercício.
Só
faltou me dar o cartão de alguma academia de Pilates.
“O
cara” da terapia integrativa e complementar não sabia nada sobre mim, nem quis
saber. Não sabia nada sobre meu orçamento e nem quis saber. Não sabia onde eu
morava, onde trabalhava, nem o que eu fazia, nem quis saber. Não sabia se eu já
havia tido essa dor antes ou outra dor qualquer. Nada.
Nada
sabia e nada perguntou, nada anotou, até porque nada perguntou que merecesse
ser anotado. Igualzinho a terapeuta do anti-inflamatório, aquela da UBS perto
de minha casa.
Eu
continuei mudo, perplexo, me sentido traído…
Quase
sempre a pessoa que deseja ser tratado como mais do que uma dor, mais do que
um mal-estar, mais do que um desgosto, é deixada de lado. Será pedir
demais que ao menos nos centros holísticos o atendimento seja voltado para a
pessoa e não apenas para a doença?
Embora
pareça que não houve diferença entre o atendimento de Silva Cunha, do Centro de
Práticas Integrativas e Complementares e o da Médica, da UBS tradicional de
perto de casa, houve.
— O anti-inflamatório funcionou.
Depois
da primeira aplicação, a dor no ombro sumiu e depois da terceira, não voltou
mais, até hoje, mais de 365 dias depois.
Já
o atendimento do famoso Silva Cunha, só fez a dor amenizar por algumas horas e,
enquanto escrevo essa crônica, quase 60 dias depois, a dor continua e a
sensação de traição também.
Estou
pensando em voltar ao consultório para uma nova consulta.
—
Se estivesse em meu lugar, qual dos dois profissionais você procuraria?
[Ernande Valentin do Prado publica no Rua Balsa das 10 às 6tas-feiras]
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