Maria Amélia Mano
Como patas de gafanhotos, asas de grilos e
esperanças, pés se roçam debaixo dos lençóis.
Se encontram, subterrâneos cupins, se
surpreendem no desejo e no cansaço: início e fim de dia. Ritual, dança circular
sagrada de manhãs e noites. Identificam bolhas dos sapatos apertados ou dos intensos
caminhares e bailares de ponta-de-pé, pequenos pulos de pulgas. Reconhecem
rachaduras, securas, grossuras, velhos calos quietos e conformados. Bolores. E
os novos, cicatrizes de tropeços em jornadas que se iniciam, estreias, chutes. Corte
e carne viva. Flor da pele, pele exposta, pelo e flor de pêssego onde passeia a
cochonilha de lá pra cá, de cá pra lá. Mote pra falar de sonhos.
Unha mal
cortada ou comprida tal tamanduá que come formiga é quase ferrão de vespa. Arranha,
assusta e dói no roçar descuidado. Mas arrepia e faz cócegas na intenção de
provocar. Joanete é necessidade de nudez, pés descalços. Meia é recato indesejado.
Recolhimento, esconderijo, barreira. Um não querer. Pecado nessa vida tão curta
de mosca. Pois é no toque do mindinho na madrugada nua que se resolve a mágoa
da tarde. Ali é onde se reconcilia, onde se explica e se recomeça. Onde se
perdoa. Onde se seduz. Onde se queima e arde.
Enquanto pés se lagartearem em preguiças e dengos,
vão seguir em crisálidas e borboletas em festa de joaninhas coloridas,
metamorfoses. Enquanto se percorrerem, se acariciarem das pontas das falanges,
do dedão, passando pelas curvas, plantas, calcanhares até os tornozelos como
voo de libélula em beira de rio, vão inspirar canto de cigarras, seiva, pólen,
mel de abelhas. Esse doce saboreado por lábios que pousam lento, mariposas. Mãos
mimetizadas em folhas de outono que passeiam, descobrindo casulos e universos tecidos
por bicho da seda.
Enquanto pés se tocarem debaixo dos lençóis, o
amor e todos nós estaremos salvos. Sob a luz de vaga-lumes.
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