Maria Amélia Mano
Rua que é curva que dá volta. Praça com árvores
calmas. Casa silenciosa de esquina. Dois degraus largos e rampa ao lado.
Campainha baixa. Tempo suspenso. Meu sorriso suspenso.
A porta de vidro deixa passar vultos lentos que
desejam sair. Talvez. Foi-se o momento das aventuras. Ao se abrir, vem corredor
longo como a vida de todos que ali moram. Corrimões me acompanham. Em passo
demorado, à direita, a primeira porta: grande sala onde moradores se reúnem em
torno da televisão. À esquerda, quarto com camas vazias. Senhorinhas devem
estar na sala. Talvez.
Em seguida, à direita, copa com mesa
retangular. Velhinhos em volta, alimentados colher a colher, devagar. Algo
mole. Talvez uma papa. Talvez uma sopa. Talvez gelatina. Alcanço a porta do
imenso banheiro com louça colorida e antigos azulejos floridos da década de 1960.
Talvez margaridas. Talvez girassóis. Não lembro. Mas é o espaço mais alegre da
casa. Tem cheiro de algum desinfetante conhecido. Talvez lavanda. Talvez pinho.
Na frente do banheiro, quarto fechado. Mais
adiante, à esquerda, outro quarto com camas ocupadas. Cabeças branquinhas
deitadas, dormindo. Cuidadores sonolentos transitam, cumprimentam. Cansados.
Talvez. À direita, seguindo, porta para pátio onde muitos estão - pegando um
solzinho moroso. Mais adiante, sala grande onde mais velhinhos se juntam,
conversam, riem, choram. Talvez. Nem sempre entendo o que dizem.
Na frente dessa sala grande, tua porta. Entro.
Sinto que desde que meu dedo tocou a campainha até percorrer esse
caminho-corredor, o tempo parou. Parou mais quando desconfiei do teu olhar sem
me reconhecer. Talvez que mudou rotação e eixo da terra, estação. Astros
explodiram, lua desandou, maré subiu. Em mim, inundação. Escorreu na face.
Alívio quando, enfim, me reencontrou: filha, saudade!
Corredor-era. Porta-vida de vidro. Dois degraus
largos. Casa calada de esquina. Praça com árvores tranquilas. Rua que é arco
que dá volta. Eu que volto. Tempo suspenso. Nossos sorrisos sempre
redescobertos.
Texto: Oficina Santa Sede - Circuito
Ilustração: Rie Nakajima
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