Maria Amélia Mano
Lua
cheia em solstício de verão, Erta Ale, a Montanha Fumegante, a Porta do
Inferno, explode lançando lava e enxofre. O vulcão está bem na junta tríplice
de Afar, zona de placas tectônicas. Um dia, ele romperá terra formando o Vale
da Grande Fenda e um novo oceano. A África será dividida. Enquanto isso duas
mulheres amam, se entregam e geram início de vida. Duas meninas.
Chuva
de meteoros, Alice e Amanisha nascem pequeninas e frágeis. Alice toma vitaminas
e vacinas. Amanisha fica sempre junto da mãe atada pela capulana. A casa de
Alice é de tijolo e cimento. A de Amanisha é de barro e bambu. A mãe de Alice
estuda. A de Amanisha não sabe ler, tange cabras nos campos etíopes. O pai de
Alice virou mochileiro. O de Amanisha, andarilho.
As
meninas crescem se sentindo sós e gostando de cultivar violetas e poesia, beber
caldo de cana, café, chá de ervas. Se deslumbram com mistérios da terra.
Sonham, à noite, com um tempo em que continentes eram unidos. Sentem que há
sempre alguém do lado de lá que também é de cá. Alguém que brinca e dança
ciranda. Alguém que chama, irmana e emana.
Estrela
Matutina: Vênus entre Terra e Sol, mais perto, brilhante. Amanisha e Alice
sangram. Erta Ale cospe fogo. Sismos são percebidos no Oceano Índico. Ventos em
todos os lados e cantos do mundo. Redemoinho de violetas arrancadas. Pétala
pousa no chão, uma para cada uma. Amanisha e Alice intuem, choram, juntas e
distantes, de uma solidão imensa e inexplicável.
Enquanto
vulcão ameaça separar mundos em Vale da Grande Fenda, Alice e Amanisha se
encontram todas as noites, em sonhos que nem sempre lembram. As irmãs de
infinitos e firmamentos dividem vidas, amores, dores, lidas, perdas, dias.
Pariram juntas filhas, em eclipse lunar, Lua de Sangue. E partiram juntas como
chegaram. Céu de lua cheia em solstício de verão.
Texto para a Oficina Santa Sede Mosaico
Ilustração: Nicoletta Tomas
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