04 novembro 2019

Saúde completa




SAÚDE COMPLETA

Há dias de bons ventos e outros de temporal... a consulta começou assim. Nem um "bom-dia doutora", ou um sorriso apareceram.
Calei meu “bom dia” e meu “bem vinda” e esperei. A senhorinha meio descabelada entrou e sentou arrumando a saia, olhou nos meus olhos e ficou quieta. Contornei a mesa, sorri e sentei e então dei bom dia.  Respirei fundo e  fiz a pergunta clássica sobre o que a trazia à consulta médica.  Manteve os dedos cruzados e o olhar fixo em mim, também respirou fundo e disparou a falar.... tão rapidamente que mal pude acompanhar. Anotei algumas palavras para não esquecer  depois da ordem ao colocar na ficha.
Falou por uns 20 minutos até perder o fôlego e parou bruscamente. Minha cabeça dava voltas para achar o ponto propício para uma abordagem  respeitosa e para que eu pudesse colher informações mais coordenadas. Nada me vinha à cabeça. Sorri e assumi: Nem sei por onde começar a conversar com a senhora. Foram muitas informações  que a senhora trouxe e eu não sei o que é mais importante no momento. Dentro de mim se instalou um medo imediato de que ela se sentisse ofendida  e achasse que era uma crítica ao seu  falar ininterrupto. Antes que a  minha culpa se instalasse completamente (sem a conhecer, e ela amim, eu podia estar sendo mal interpretada), ela respirou novamente fundo e sorriu dizendo : falo demais né minha filha?
Aí o ar mudou de cor e temperatura.
Iniciamos um conversa com ela me dando todos os dados da anamnese  em “ordem”! Desde o que sabia sobre seu nascimento e infância, suas doenças e vacinas , seus dados dos ciclos menstruais e gravidezes e seguimos para o que a acometia no momento.  Exame físico feito, ficou me olhando de soslaio um tempo... e começou a chorar baixinho, muito sentida. Não entendi nada e tentei colocar que não havia nada de errado com seu exame físico, nada  que pudesse ser grave ou atemorizante. Mas mesmo passando da hora da entrada do paciente seguinte, deixei minha mão no braço dela, como um  peso morto “presente”. Chorou uns bons 5 minutos de ter soluços fundos. Confesso que não tinha a menor ideia do que fazer.  Quando calou, ofereci um lenço de papel que rejeitou, enxugou os olhos na manga da blusa e me olhou levantando da maca e dizendo: Ah eu só precisava de um espaço para chorar mesmo.
Deu por terminada a consulta e saiu sem se despedir. Nunca mais vi D. Leocádia Simone!
                                                                                                                                         Maria Lúcia Futuro Mühlbauer

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