Maria
Emília Bottini
Uma
amiga que não lembra mais que existo e que fomos parceiras por longa data. Sua
memória me apagou não por seu desejo, mas porque problemas de saúde nos chegam
com a idade e assaltam de esquecimento nossa memória que não nos permite mais
lembrar de nossa relação com quem foi nosso amigo, o que muito lamento.
Essa
amiga sempre repetia uma frase que guardei comigo, “Há dias de voar e dias de buraco”.
Me parece que os seus dias de buraco se apresentam como irreversíveis. Muitos
de nós entendemos perfeitamente o sentido desta frase, pois no viver nos
encontramos por várias vezes em uma ou outra situação.
Entre
voos e buracos seguimos a vida vivendo da melhor forma ambos os momentos. O
fato é que nem sempre voaremos e nem sempre estaremos em buracos, oscilamos
entre ambos o tempo todo.
Parece
que voar seja uma experiência mais fácil de enfrentarmos. Voos são no geral
leves, mas mesmo assim podem causar estranhamentos. Já os dias de buracos são
difíceis de serem enfrentados, sobretudo por acharmos que não os venceremos. Há
formas de sair dele, se desejarmos, puxando terra para fechá-los é uma delas,
ou seja, fazendo movimentos, sem isso sucumbiremos.
Ouço
o relato de uma mulher com sua vivência no buraco da depressão pós-parto há
idos nos tempos que não sentia vontade de estar com seu bebê, o que sua mãe a
ajudou e muito. Hoje reconhece que sua filha é mais apegada a sua mãe que a ela
própria. Sentiu muita vontade de desistir de viver e seguir em frente, seu bebê
também não era bem-vindo. Triste história de um buraco que ainda lhe causa
dores e lágrimas. Feridas ainda não cicatrizadas.
Atualmente
acredita que sua família não lhe apoia. Apoio idealizado nunca é da forma que
pensamos, porque ele só existe dentro de nós mesmos, da nossa cabeça. Esse
buraco dá a sensação de que não seremos capazes de enfrentar e dar conta da
vida da forma que se apresenta. Deprimidos, com baixa estima acreditamos que os
outros devem fazer esforços para nos tirar de dentro dos buracos, mas somos nós
que temos que encontrar maneiras de sair deles.
Por
vezes os buracos se agigantam e parecem nos engolir, choro, sono, falta de
vontade, ausência de banho, apetite quase inexiste, escassa estima e escuridão
se aproximam a afirmar que não podemos ter outro lugar que não o buraco e nele,
por vezes, nos acomodamos. Parece ser um lugar que nos acolhe. Então, voar é
coisa distante, pertence apenas aos outros que nos cercam ou mesmo que vivem no
facebook a produzir vida feliz, com voos altos.
Saídas
são possíveis e oriundas de dentro de nós. Seja procurando consultas de
psicólogos e desabafando o que nos incomoda. Encontrando psiquiatra que nos
medique a dor por um período, procurando a fé e conforto espiritual. Falando
com um amigo e dizendo do que sentimos. Enfim, fazendo buscas das mais
diversas, pois não há apenas uma forma de sair do buraco.
Até
que um dia um movimento pequeno e permanente dá início ao movimento de saída e
lentamente o buraco começa a diminuir e sem muito percebermos voltamos a tomar
banho, a comer, a tomar um pouco de sol, o sono diminui e começamos a perceber
que o buraco vai se distanciando e um voo raso se inicia novamente.
E
voamos por lugares antes conhecidos e desconhecidos. E voltamos a acreditar em
nosso voo, em nossa força interna antes adormecida. Talvez o desafio de nossas
vidas seja o de conviver com a certeza que a vida não é apenas buracos, mas
também não se reduz tão somente aos
voos. É preciso lembrar que ao nos
encontrarmos em buracos ter a crença que internamente encontraremos forças para
vencê-los e quando estivermos voando é preciso humildade para saber que não
somos eternos.
[Maria Emília Bottini publica no Rua Balsa das
10 aos Sábados]
Há buracos irreversíveis para quem tá embaixo... e, se descemos há que ser com corda amarrada à cintura... senão ficaremos também la e sem condições de subida
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