Maria Emília Bottini
Gosto de
filmes que me provoquem o refletir e o sentir. Por vezes, algumas narrativas envolvem
e agradam mais que outras. No filme Pais e filhas (2016), do diretor italiano Gabriele
Muccino, o mesmo de A procura da felicidade, encontramos uma temática que pode
nos ajudar a refletir sobre o processo de luto e de perda e a maneira como estas
marcas permanecem em nós, atrapalhando nossos vínculos; nos acompanham a vida toda
sem nos darmos conta delas e do quanto nos causam dor.
O
romancista ganhador do Pulitzer, Jake Davis segue uma vida tradicional, casado e
tem uma filha chamada Katie a quem chama carinhosamente de Batatinha. Certo dia,
ao dirigir com sua família, o casal discute, pois a esposa acredita estar sendo
traída, sofrem um acidente causando a morte da esposa.
Após a morte da mãe, Katie será afastada de seu pai
que permanecerá sete meses internado em uma instituição de saúde mental para tratar
da psicose maníaco-depressiva agravada por convulsões. Ele reluta, mas aceita
deixar sua filha com a tia (irmã da esposa), o cunhado e dois sobrinhos.
O filme trata dessa história em dois tempos: Katie
menina e adulta.
Enquanto menina, após retornar da internação o
pai enfrenta a disputa judicial com os tios que desejam ficar com guarda de sua
filha, alegando que ele não teria condições de criar. Narra a relação afetiva
com o pai de cuidado e afeto, a dificuldade de enfrentarem e de falarem sobre a
perda sofrida por ambos.
Já Katie adulta é pós-graduanda em psicologia, trabalha
como assistente social e atende uma menina que não fala há um ano, devido à perda
recente de sua mãe, tornando-se órfã porque o pai também já havia morrido. Mora
sozinha, não tem amigos, tem vários parceiros sexuais, bebe frequentemente e
não se vincula ou se compromete com ninguém, na iminência do vínculo, abandona
para não ser abandonada, fazendo da sexualidade seu poder e sua proteção.
Ao conhecer Cameron sofre o impacto desta
aproximação, pois não consegue abandonar ou manter o mesmo comportamento
anterior. O envolvimento afetivo ocorre, ela se apega, embora não tenha clareza
do que deseja nesta relação, permite-se viver. O rapaz é fã de seu pai, pois leu
o livro chamado “Pais e Filhas” que trata da convivência entre ela e seu pai, ele
sonha em ser escritor.
O vínculo se intensifica e na medida do possível
ela se permite, mas nem tanto. Quando se dá conta do envolvimento, pois está
indo à casa dos pais do namorado e a relação será assumida, tem uma crise e
desiste. Foge do compromisso e sem saber como agir retorna ao comportamento
antigo, traindo o parceiro no apartamento deles, deixando vestígios para ser
descoberta. O namorado, ao descobrir, sai de casa.
Katie tenta voltar ao comportamento antigo, mas
não consegue e faz um mergulho em sua tristeza, lamentando suas perdas.
No trabalho sofre pressão para conseguir algum
diálogo mínimo com a paciente que está tratando. Katie cria mecanismos para se
aproximar de Lucy: desenhos, leitura, contação de histórias. Diante do lago no parque
Katie verbaliza o desejo de ser um pato e Lucy toca-lhe
a mão, ambas permanecem sentadas e caladas. Ao comunicar à Lucy que será
atendida por outra colega, a menina verbaliza “não, quero ficar com você”. Criou
vínculo e não quer ser abandonada pela terapeuta também. E o tratamento segue,
ela a ensina a andar de bicicleta e a enfrentar a dor que a perda traz.
A cena em que ocorre a despedida entre a paciente
e a terapeuta é terapêutica para ambas. Katie conta que seu pai também morreu
quando ela era ainda criança, passando a morar com a
tia e os primos. A tia estava separada, pois fora traída. O filme não narra a
convivência na casa da tia que enfrenta um duplo luto o da perda da sua única
irmã e a separação por traição. Não fica claro, mas a narrativa sugere que
a tia é alcoólatra.
Após diálogo no parque, revisita sua história,
assimila sua biografia pessoal, suas dores, não mais negando ou se usando de
evitação para não sofrer. Decide assumir seus sentimentos e se reaproxima do
parceiro.
Nossas feridas emocionais são por vezes abertas
na tenra idade, às vezes causadas por perdas dos genitores. É preciso compreender
que perdas fazem parte do processo de viver a vida em qualquer idade; É a natureza humana perdermos
pessoas, objetos, relacionamentos... Não é saudável passar a vida enroscada no processo de luto sem estabelecer
vínculos mais significativos por medo da perda.
Sempre corremos o risco de perder quando nos
vinculamos a alguém, correr riscos é viver.
[Maria Emília Bottini publica no Rua Balsa das
10 aos Sábados]
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