Maria Emília Bottini
O documentário “Criança, a alma do negócio”
(2008), de Estela Renner, divulgado pelo Instituto Alana de São Paulo, é um
convite a uma profunda e significativa reflexão: Para onde caminha a infância e
o consumo, tão bem incentivados pela publicidade e o marketing? Você já se questionou
sobre o porquê seu filho sempre pede brinquedos novos? Por que sua filha quer
mais uma boneca se ela já tem uma caixa cheia delas? Por que seu filho acha que
precisa de mais um tênis? Por que compra maquilagem para minha filha que só tem
seis anos? Por que seu filho sofre tanto se não tem o último modelo de um
celular? Por que eu não consigo dizer não? Ele pede e você compra e mesmo assim
meu filho sempre querendo mais e mais! De onde vem o desejo constante e
irrefreável de consumir de nossas crianças?
Este documentário mostra como as crianças
se tornaram a alma do negócio para a publicidade que os induz ao consumo. A
indústria descobriu que é mais fácil convencer crianças do que os adultos, sendo
bombardeadas por propagandas que estimulam o consumo precocemente e que dialogam
diretamente com elas. Em trinta segundos uma marca influencia uma criança.
O resultado é assustador, crianças de
cinco anos, vão às escolas totalmente maquiladas e deixam de brincar por causa
de seus saltos altos, sabem as marcas de todos os celulares, mas não sabem tantas
outras coisas como, por exemplo, o que é uma abobrinha, o que é uma manga... Estão
perdendo a relação inclusive com a natureza, terra e com a produção de
alimentos. Não duvido que pensem que o leite venha da caixinha do mercado e não
da vaca ou da cabra. Não sabem mais os nomes de legumes e frutas que estão
ingerindo diariamente. Mas são hábeis reconhecedores de produtos e marcas de
salgadinhos, bolachinhas, refrigerantes, que estão ingerindo e que os levará
precocemente a alguns problemas de saúde. Os anunciantes ficam com o lucro
enquanto as crianças enfrentam o prejuízo de sua infância encurtada e sua saúde
indo para o “beleléu”.
Estamos “adultualizando” e “sexualizando”
nossas crianças precocemente, com uso de maquilagem, salto alto, roupas
completamente inadequadas, unhas pintadas, batons, fazendo mechas em seus
cabelos, colocando brincos... A lógica é que se faço uma criança mais precoce,
automaticamente se tem um consumidor mais cedo.
Estava em um salão de beleza em Maringá
(PR) e havia um menino de uns sete anos de idade com mechas em seus cabelos e
eis que não me contive e perguntei ao cabelereiro se era seu filho, sim
respondeu ele, e então mais curiosa pergunto se ele é quem havia feito as mechas
e ele me responde que sim e que fora por insistência dele, e eu no auge de
minha indignação falei que deveria ter tido não, um sonoro e grande não. Fiquei
pensando: Será que haverá cabelos aos vinte e cinco anos? Então ele me disse
que se trabalhasse em um salão não aguentaria, aproveita e relata que sua
cliente havia pago para colocar silicone nos seio de sua filha de quatorze anos
para ser futura candidata ao Big Brother Brasil, seu sonho de consumo - um
milhão de reais.
O que está acontecendo? Nossas únicas
opções são apenas consumir e produzir, não há mais nada de significativo em uma
existência? Um livro para a felicidade ou para o conhecimento, um bom filme que
nos faça abrir horizonte de mundos, um teatro que nos eleve ao grau máximo de
reflexão, um coral que nos emocione a alma, uma viagem para conhecer outros
mundos possíveis.
Contundente, ousado e real este
documentário escancara a perplexidade deste cenário em que vivemos e nos convida
a refletir sobre nosso papel dentro dele e sobre o futuro da infância,
lembrando a todos que não nascemos consumistas, mas nos
tornamos. Vale a pena ser visto e para além ser discutido nos mais diversos
meios.
[Maria Emília Bottini publica no Rua Balsa das 10 aos
Sábados]
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