Ernande Valentin do Prado
No intervalo da aula do Curso de Especialização em
Saúde Coletiva, formou-se um grupinho entre professores e estudantes. A conversa
era sobre comida e a estudante disse:
— É muito fácil usar o alho como tempero, basta esmagar
e fritar no óleo.
E nem foi para mim que ela falou. Só escutei
porque estava perto. Mesmo assim aprendi.
A aprendizagem se dá dos modos mais diferentes e
improváveis e ultimamente tenho percebido que quando acontece sem a intenção do
ensino, parece ser mais efetiva.
Lembrei disso porque estava cortando o dente de
alho em pedaços finos para depois esmagar, o que deixa a tarefa mais fácil, e
me dei conta que a partir da fala da estudante eu fui desenvolvendo outras
técnicas para esmagar e para usar o alho em diferentes situações. Cortá-lo primeiro
já foi um pouco de minha evolução.
O conhecimento de que bastava esmagar o alho foi o
caminho das pedras que possibilitou os primeiros passos no uso do alho como tempero
do feijão e depois para outras alimentos. A conversa aconteceu na escola, não
na aula e essa é uma diferença significativa. O que ouvi foi um disparador, um
ponto de partida, aonde eu cheguei ou ainda vou chegar com esse conhecimento é
responsabilidade minha. E as possibilidades são muitas e algumas delas nem tem
a ver com comida ou alho. Por exemplo, esse texto tem a ver com aprender e
ensinar, mas é derivado da aprendizagem sobre o alho, percebe?
Será que não cabe ao professor e a escola, nos
dias de hoje mais do que ontem, criar esses momentos para que os estudantes possam
aprender?
É mais do que provável que a maioria dos
professores já saibam que não cabe a ele ser o detentor do conhecimento para depositar
nos estudantes, afinal de contas há muitos anos Paulo Freire disse que ensinar
não é transferir conhecimento. Por outro lado, Freire também disse,
especialmente no livro Pedagogia da autonomia, que ensinar não é simplesmente transferir
conhecimento e que esse saber não deve se limitar a um discurso do professor, precisa
ser aprendido, vivenciado e testemunhado constantemente.
Será que o professor, além de saber, acredita nisso?
Testemunhar é o que estou fazendo neste texto.
Faço isso sempre que posso, não apenas em texto. Vivo
isso no meu cotidiano de trabalho no Apoio Institucional da Secretaria de Estado
da Saúde a partir do Centro Formador de Recursos Humanos da Paraíba e já venho
fazendo há mais de dez anos nos cursos de Enfermagem e de Saúde Coletiva.
Há quem tente opor conteúdo e método, porém essa
dicotomia não existe na prática. Também não existe forma de dar uma aula
conteudista sem utilizar algum método, até porque projetar slide, uma transparência
ou falar tudo de memória enquanto segura um giz, é método. Não há aula sem conteúdo
e não existe contradição entre método e conteúdo, as duas coisas são
importantes e precisam ser consideradas em qualquer modelo de aula.
O que diferencia uma aula conteudista de outra pensada
para que o estudante desenvolva os conhecimentos, é a forma, a quantidade de conteúdo
que irá fazer parte da aula e principalmente como e para que irá fazer parte.
De um modo geral, em uma aula conteudista, o objetivo
é repassar os conhecimentos do professor para a cabeça dos estudantes e este,
em um dia agendado ou surpresa, deverá devolver o conteúdo, provando que tem
memória. Neste caso não precisa nem saber para que o conteúdo ouvido serve ou onde
e como pode ser aplicado. Geralmente essas não são preocupações do professor e
da professora conteudistas.
Já em aulas problematizadoras, sobretudo freireana,
o objetivo não é repassar conteúdo. Ele é pano de fundo para dialogar, refletir
sobre as formas de intervir positivamente na comunidade e ponto de partida para
o desenvolvimento e aplicação dos conhecimentos, algo parecido com o que
aconteceu comigo em relação ao alho.
Outro aspecto que precisa ser levado em conta e
nem sempre é, tanto em uma aula quanto na outra, é que elas devem ser preparadas.
Essa é uma questão que nem sempre é observada, seja por falta de tempo ou pelas
crenças do professor. Problematizar e até repassar conteúdo, não pode ser feito
de improviso.
A aprendizagem acontece o tempo todo, não apenas na
aula em si, como na história do dente de alho. Por isso creio que os professores
deveriam levar em conta, ao preparar as suas aulas, que é importante criar situações
para que isso aconteça, pois não basta esperar e improvisar em cima. A
responsabilidade de “ensinar” continua sendo do professor e da professora.
As aulas precisam continuar sendo pensadas e
preparadas com rigor e poder-se-ia levar em conta que a aprendizagem não
acontece apenas dentro da sala, seja na exposição de conteúdo, seja na problematização
e no diálogo. A aprendizagem acontece em múltiplos e simultâneos momentos antes,
durante e depois da aula.
Será que ao planejar uma aula o professor e a
professora pensam na função do intervalo ou consideram ele apenas um momento
para ir ao banheiro, comer ou acessar o celular antes de depositar mais
conteúdo nas cabeças dos estudantes?
E os momentos de confraternização, são partes do
processo de aprender a conviver ou uma concessão do professor para o ócio?
Enfim, é importante que a escola seja aproveitada como um todo para produzir
aprendizagem e não apenas a aula em si. Se aprendemos em comunhão, como fala
Freire, não seria bom criar momentos para que a comunhão aconteça na aula e na
escola deliberadamente e não apenas como efeito secundário?
Sobre os momentos de aprendizagem que estão no
entorno das aulas e das escolas, escrevi mais em minha dissertação: Estamos construindo
uma catedral, que a editora Hucitec prometeu lançar como livro ainda em 2020.
[Ernande Valentin do
Prado publica na Rua Balsa das 10 às 6tas-feiras]
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