23 maio 2020

PARA QUE SERVE UM ELEFANTE



Maria Emília Bottini

Estive no Rio de Janeiro. Todos a conhecem como cidade maravilhosa. Na minha humilde percepção, todas as cidades e seus cidadãos deveriam ser considerados e tratados como maravilhosos, mas não é bem assim. As cidades estão inchadas de gente e problemas sociais, falta de saneamento básico, milhões de veículos que tomam conta de ruas e avenidas, muito lixo e sujeira já não conseguem ser vencidos, o lugar do indivíduo acaba por sumir do espaço público, ficam as máquinas cada vez mais brilhantes e novas.
Cabe questionar qual é o lugar do humano, do sensível, do sentido da vida?
Meu curso foi no 30° andar.  Altíssima do chão eu estava.  Ao olhar para fora, eu vi algo de extraordinário: a abundante natureza, os prédios, o céu, as pessoas que parecem mais formigas em seus formigueiros.
Neste mesmo prédio, fui convidada para ver a exposição de fotos World Press Foto 10.  Como sou fã da arte, do sensível, fui ver, porque sempre estamos aprendendo com os vários olhares que a arte traz ao humano, não tão humano.
Diante das fotos, há em meus olhos um misto de assombro, de espanto do mundo que é real e não virtual.
O mundo real é desnudado em muitas fotos e em seus absurdos e belezas.
Beleza que está em olhos azuis de vários de europeus, no mar, nas festas, nas diversidades, nos parques... Absurdos estão presentes nas guerras, nos bombardeios, no apedrejamento de um homem julgado de adultério; enfim, homem absurdo e absurdo homem.
Entre as fotos, necessito falar de uma sequência de quatro, que o impacto foi absurdamente maior.
As fotos revelam cenas nas quais é dolorido olhar, é dolorido o excesso, a realidade dói. As cenas se passam na África do Sul, onde um elefante é morto e em duas horas uma centena de pessoas o devoram.  Em um pequeno papel, lê-se a explicação das fotos: 47% desta população são consideradas subalimentadas.
Diante desta visão, é impossível não ser atingida, não embrulhar o estômago, não marejar os olhos.  Visto que não sou insensível, sou tocada, afetada, me parece que isso apenas não basta, não ajuda, não muda.
Preciso perguntar: você almoçou hoje? Consegue imaginar tais cenas?
Você consegue imaginar uma pequena grande multidão devorando um elefante em duas horas?
Só posso fazê-lo refletir.
Qual foi a última vez que você colocou comida fora?
Você pode imaginar quantas pessoas no mundo todo dariam tudo, mas tudo mesmo, para ser sua lixeira, seu cachorro, seu gato...
Pense nisto, se puder. Porque pensar dói.

 [Maria Emília Bottini publica no Rua Balsa das 10 aos Sábados] 


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