AS LONGAS NOITES DE DEZEMBRO

        

           Por que as noites não são mais longas no verão? 

E poderíamos aproveitar mais o sol e haveria mais luz e calor e Isidoro, que foi lavrador e é místico cantaria mais atravessando BR116 no escuro pra chegar em outra casa que não a sua, sorriria ao chegar na marquise, onde outra mulher que não a sua, espera por ele, fugida, foragida do hospital, com nó na garganta, medo.

Mas é escuro no mocó e no preciso momento em que Isidoro entra, ela delira, sonha com montanha russa que só viu em filme, mas está tudo vazio, solidão, avenida decotada vazia, rodovia vazia, esquinas vazias, beijos e estômago vazios, febre e fome forte furtiva prevista e escancarada mais doída que tosse e tiro que tantas vezes quase pegou artéria do coração, ali, quando esperava na igreja a Sopa dos Pobres do Bem Perpétuo.

Quase morreu tantas vezes em atmosfera de névoa e sujidade, mas terna nos braços do lavrador protetor, Isidoro amante, ela livre no viaduto, suspensa como naus antigas e gastas de saudades, indigências e carências claras como esse pequeno risco e brilho no ar, vício, pedra, vultos, vírus, mais um, e esse frio que chega aos poucos.

Explica ao lavrador que irmã que não via há anos tentou visitar na enfermaria mas foi no horário errado, irmã que era único elo com o que um dia ela foi e pede pra não levar de volta pra hospital ou presídio, tanto faz e sussurra reza alucinada ao Deus dos desamparados, dos drogados, dos criminosos perseguidos que respondem na Quarta DP.

Isidoro abraça corpo franzino, cobre com cobertor cinza fino e se junta na reza enquanto vento vem, desejando que tudo dure pouco, que vida seja breve e as noites, mais ainda essas noites de junho, que sejam mais curtas, como o inverno e que chegue logo setembro de semear e dezembro de colher, de calor, ah, dezembro!

Por que as noites não são mais longas no verão?

Texto baseado na notícia:  

https://www.cliccamaqua.com.br/noticia/54049/paciente-com-covid-19-foge-de-hospital-em-porto-alegre-diz-policia-civil.html