Em 2012 fui aprovada na seleção do doutorado em
Educação na Universidade de Brasília (UnB). Durante três anos debrucei-me sobre
três temáticas as quais sou apaixonada: o cinema, a morte e o filme A partida. A
questão norteadora deste estudo foi compreender como o recurso cinematográfico
pode ser utilizado para tratar da temática da morte tendo como instrumento
pedagógico no filme A partida de Yôjirô Takita (2008).
O cinema é
uma arte multifacetada: é indústria cultural, mercado, arte, cultura,
espetáculo, lucro, entretenimento, diversão... assim se constitui na atualidade
uma expressão da sociedade moderna. O cinema não é ingênuo ou inocente e tampouco
desarmado de intenções. É
ferramenta preciosa e importante na educação para a morte (e também para a
vida), porque toca em nossa sensibilidade, para além dos aspectos intelectuais,
para com quem nos identificamos porque os filmes falam dos humanos. O cinema é
percebido por todos os nossos sentidos, especialmente pela a audição e a visão.
Quando vemos um filme atribuímos significações e significados próprios de
acordo com nossa percepção de amor, de pessoas, de relações, de vida, de
existência, de profissão, enfim de mundo e de morte.
É difícil
ao homem o diálogo sobre a morte, pois em seu inconsciente ela não é possível
quando se trata de si mesmo, torna-se inconcebível imaginar um fim real para
sua existência. Quem não fala da morte, acaba se esquecendo da vida, morre sem
perceber, diz Rubem Alves.
O filme A
partida aborda a temática da morte, nos acondicionamentos que Daigo realiza
como Nokanshi, em diferentes fases do desenvolvimento humano. Ao longo da
narrativa o filme nos aponta que a morte faz parte do ofício de viver e que
dela somos parceiros da vida inteira. Outras questões inerentes à finitude
humana como o luto, a reação dos enlutados, a necessidade do ritual de
despedida e o trato com o corpo morto são abordadas nessa bela obra da
indústria cinematográfica.
No meu
doutorado o filme foi apresentado e discutido por dois grupos de alunos: os
cadetes do Corpo de Bombeiros do Distrito Federal e os alunos da Pós-graduação em
Educação da UnB. Permitir que alunos sintam suas próprias emoções e as
identifiquem e se relacionem com elas, nomeando-as, sejam elas positivas ou
negativas, pode provocar mudanças na percepção e educação para a morte
apontando sentidos para a vida. Essa aproximação dos sentimentos e emoções
provocados pela exibição do filme desencadeou reflexões sobre a morte, mas
também sobre a vida e o viver. Os sentimentos e as emoções são o que nos
determina e têm papel fundamental na construção de outra subjetividade, voltada
para o respeito à trajetória do outro, reverenciando ideias e formas de serem e
existirem nas múltiplas diversidades humanas.
O
livro “No cinema e na vida: a difícil
arte de aprender a morrer” resultado de minha tese de doutorado em
Educação. O prefácio da Doutora Maria Júlia Kovács, Professora Livre Docente do
Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP) e Coordenadora do
Laboratório de Estudos sobre a Morte (LEM).
Podemos
educar para a morte e o morrer através do uso de filmes como proposta reflexiva,
mas não sem entender que no cinema e na vida é difícil, mas ainda assim
necessária.
A
morte é experiência intransferível, única aos que vivem mesmo que dela nos
afastemos e a neguemos até o dia em que com ela nos encontraremos e passaremos
a não ter, não ser, não existir. É nossa única certeza, para mim justa e
democrática pois não discrimina nem exclui ninguém, para nos lembrar que no
final de toda a jornada da existência o que sobram são cinzas.
Gibran
nos diz: “Quereis conhecer o segredo da morte, mas como podereis descobri-lo se
não o procurardes no coração da vida?”. Viver é o melhor antídoto contra a
morte, não viver é morrer em vida.
[Maria Emília Bottini publica no Rua Balsa das
10 aos Sábados]
Nenhum comentário:
Postar um comentário
O que tem a dizer sobre essa postagem?