24 outubro 2020

NO CINEMA E NA VIDA: a difícil arte de aprender a morrer


 Maria Emília Bottini

Em 2012 fui aprovada na seleção do doutorado em Educação na Universidade de Brasília (UnB). Durante três anos debrucei-me sobre três temáticas as quais sou apaixonada: o cinema, a morte e o filme A partida. A questão norteadora deste estudo foi compreender como o recurso cinematográfico pode ser utilizado para tratar da temática da morte tendo como instrumento pedagógico no filme A partida de Yôjirô Takita (2008).

O cinema é uma arte multifacetada: é indústria cultural, mercado, arte, cultura, espetáculo, lucro, entretenimento, diversão... assim se constitui na atualidade uma expressão da sociedade moderna. O cinema não é ingênuo ou inocente e tampouco desarmado de intenções. É ferramenta preciosa e importante na educação para a morte (e também para a vida), porque toca em nossa sensibilidade, para além dos aspectos intelectuais, para com quem nos identificamos porque os filmes falam dos humanos. O cinema é percebido por todos os nossos sentidos, especialmente pela a audição e a visão. Quando vemos um filme atribuímos significações e significados próprios de acordo com nossa percepção de amor, de pessoas, de relações, de vida, de existência, de profissão, enfim de mundo e de morte.

É difícil ao homem o diálogo sobre a morte, pois em seu inconsciente ela não é possível quando se trata de si mesmo, torna-se inconcebível imaginar um fim real para sua existência. Quem não fala da morte, acaba se esquecendo da vida, morre sem perceber, diz Rubem Alves.

O filme A partida aborda a temática da morte, nos acondicionamentos que Daigo realiza como Nokanshi, em diferentes fases do desenvolvimento humano. Ao longo da narrativa o filme nos aponta que a morte faz parte do ofício de viver e que dela somos parceiros da vida inteira. Outras questões inerentes à finitude humana como o luto, a reação dos enlutados, a necessidade do ritual de despedida e o trato com o corpo morto são abordadas nessa bela obra da indústria cinematográfica.

No meu doutorado o filme foi apresentado e discutido por dois grupos de alunos: os cadetes do Corpo de Bombeiros do Distrito Federal e os alunos da Pós-graduação em Educação da UnB. Permitir que alunos sintam suas próprias emoções e as identifiquem e se relacionem com elas, nomeando-as, sejam elas positivas ou negativas, pode provocar mudanças na percepção e educação para a morte apontando sentidos para a vida. Essa aproximação dos sentimentos e emoções provocados pela exibição do filme desencadeou reflexões sobre a morte, mas também sobre a vida e o viver. Os sentimentos e as emoções são o que nos determina e têm papel fundamental na construção de outra subjetividade, voltada para o respeito à trajetória do outro, reverenciando ideias e formas de serem e existirem nas múltiplas diversidades humanas.

O livro “No cinema e na vida: a difícil arte de aprender a morrer” resultado de minha tese de doutorado em Educação. O prefácio da Doutora Maria Júlia Kovács, Professora Livre Docente do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP) e Coordenadora do Laboratório de Estudos sobre a Morte (LEM).

Podemos educar para a morte e o morrer através do uso de filmes como proposta reflexiva, mas não sem entender que no cinema e na vida é difícil, mas ainda assim necessária.

A morte é experiência intransferível, única aos que vivem mesmo que dela nos afastemos e a neguemos até o dia em que com ela nos encontraremos e passaremos a não ter, não ser, não existir. É nossa única certeza, para mim justa e democrática pois não discrimina nem exclui ninguém, para nos lembrar que no final de toda a jornada da existência o que sobram são cinzas.

Gibran nos diz: “Quereis conhecer o segredo da morte, mas como podereis descobri-lo se não o procurardes no coração da vida?”. Viver é o melhor antídoto contra a morte, não viver é morrer em vida.

 [Maria Emília Bottini publica no Rua Balsa das 10 aos Sábados] 

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