O documentário do diretor Evaldo Mocarzel (2001), contundente e necessário, provoca uma reflexão nos dias atuais do mundo em que vivemos, onde para alguns carro e motos de luxo e exclusivos, para outros nem transporte público, para uns mansões e para outros a lona ou mesmo os sacos plásticos nas ruas das grandes cidades, para uns escola particular com piscina e mensalidades de R$ 3000,00 e para outras a escola pública detonada e mal tratada. Esse é o mundo real que a alguns agrega e a outros segrega.
Este diretor
deu voz e vez aos moradores de rua da cidade de São Paulo. Nós, por sua vez,
acreditamos que nada têm a dizer e que nada sabem da vida, da política, das
regras e normas de convivência em sociedade.
Mas será
mesmo?
Quem vive à
margem da vida não tem nada a dizer?
O que podemos
observar com muita propriedade neste documentário é que o que eles têm a dizer
poucos querem ouvir, a poucos importa. Ou alguns pobres loucos intelectuais,
professores, assessores, estes estão interessados e podem provocar boas
reflexões que, segundo Dupas, estariam mortas nos dias que vivemos.
Muitos são os
depoimentos de pessoas que tinham suas vidas regradas, organizadas, homens e
mulheres que exerciam suas profissões, até que um dia tudo muda. Existe um
passado que tão somente se presentifica na rua, a busca pela sobrevivência é
determinante, o mundo é tão somente aqui e agora, como tomar banho, onde
dormir, como esconder o dinheiro para que não o roubem, como ter sexo, numa
tentativa por vezes desesperada de manter minimamente a individualidade e a
privacidade por vezes já perdida. No dia a dia, cada um aprende a sua maneira
as leis da sobrevivência nas selvas de cimento.
Há uma
religiosa que trabalha num abrigo e serve refeições a estas pessoas famélicas,
seu nome e congregação não foram disponibilizados, seu depoimento arrasa, tira
os neurônios fora de sua órbita. Ela afirma que temos uma sociedade doente e
que é ilusão nossa pensar e acreditar que as coisas vão mudar; muito pelo
contrário, a tendência é piorar e muito, no que particularmente concordo com
ela.
Acrescenta que
também seria ilusão acreditar que vamos conseguir tirar os moradores das ruas e
que eles vão fazer parte da sociedade novamente e tudo ficará numa boa, serão
aceitos, terão emprego, até mesmo porque eles não se adaptam mais a este modelo
de sociedade, vivem à margem dela, alguns por muitos tempos. Ela é incisiva em
afirmar que a sociedade tem que se adaptar a esta realidade, inclusive novos
arquitetos, que sonham cidades sem eles.
Comenta também
sobre o termo “acharque” usado pelo morador de rua ao contar uma história que
comova as pessoas que o escutam, usa esse artifício muitas vezes no intuito de
conseguir uma grana, uma refeição. Se estivesse nesta situação, não usaríamos o
“acharque”? Alguns, mesmo não estando na
rua, se utilizam deste termo, não é mesmo?
No Brasil, há
cerca de 192 milhões de habitantes, segundo o censo do IBGE, em números, há até
1,8 milhões de moradores de rua em todo o território brasileiro; ou seja, entre
0,6% à 1% são população de rua.
Como podemos
ignorar tantos e deixá-los à margem não só da imagem, mas de vida mais digna.
Assista ao documentário que lhe fará refletir e pensar sobre, se desejar.
[Maria Emília Bottini publica no Rua Balsa das
10 aos Sábados]
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