Maria Amélia Mano
Naquela manhã de novembro, ela rastejou pela última vez, foi humilhada por ele e não regou as plantas, não sentou na cadeira de balanço, teve fúrias e quebrou uma xícara cheia de chá de alecrim de acalmar. Um caco de porcelana branca rompeu a pele branca e na toalha branca outra renda se fez. Vermelha.
Naquela manhã de novembro, ainda no chão, ela não lavou os panos, não pendurou nada no varal, vazio, não fez pão, não jogou milho para as galinhas, não colheu jabuticabas, não mascou fumo. Do punho, um esguicho subiu ao céu como se fonte fosse, chafariz de praça. Monumento imenso.
Naquela manhã de novembro, ela se ergueu, devagar, e não acendeu velas, não rezou terço pedindo por todos, não acariciou o gato preto, não sentiu saudades da foto antiga, do amor que se foi. Somente amarrou ferida com corda bamba e na visão confusa, viu tudo estancar. Pálida, branca.
Naquela manhã de novembro, ela sentou na cama que sempre range sem desejo, tirou os rolos dos cabelos, abriu as janelas pra lua e soltou todos os pássaros das gaiolas, subiu em longas pernas de pau e saiu em busca de tardes, noites, madrugadas. As voltas que a terra dá.
Naquela manhã de novembro, ela pensou que ia morrer só sem ser feliz, morrer de raiva, de vazio, de brancura, de jato de sangue O positivo lançado como nave, como viagem, como volta, como voo, como vela e vida, sem sentido no solo de ser. E por isso, insana e salva, se foi.
Naquela manhã de novembro, ela partiu pra não mais voltar. E hoje, quando todos rezam pelos seus mortos, ela festeja a vida, do alto das pernas de pau, em algum pequeno circo de praça do interior, xícaras brancas em malabares, alecrim nos quintais, jardins, campos de temperar. Livre.
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