Maria Amélia Mano
A gente pode parcelar a insônia em 48 vezes no cartão de descrédito até onde o desespero alcançar, preencher 3 cupons de expectativas e tirar uma selfie registrando a colocação de cada um deles, os cupons, delas, as expectativas, na urna do shopping, tudo pra concorrer a uma viagem até a esquina, um carro com teto lunar, um panetone em dezembro, um ovo de páscoa em abril ou um vale-bifê a peso de consciência pra poder, quem sabe, esquecer o cartão de desaponto, sair da fila do benefício existencial, largar vícios e vincos, vidas bandidas, doar córneas e rins, os patins que já não servem mais, dar a vez na fila da sopa e do avião, mostrar cartão de desembarque de dar a volta por cima do viaduto que é teto, onde assobiam as madrugadas quentes e nuas, as ruas e suas pestes em esquinas decotadas, desamor, frio e medo e esperança no cartão de vacina repleta de certezas, sem ficar imune ao amor que não se previne, mesmo de máscara e álcool gel e que assim seja e estejamos ainda, salvos, esperando o sorteio do cupom, os números da quina, a aposta no futuro, mesmo com esse cartão vermelho, fim de partida, de chegada, quando derrubamos zagueiro, desviamos bola e gol, desfiamos panos mornos de prato e desafiamos cantar, desafinamos parabéns a você, escrito no cartão de aniversário, junto com o vale presente que queria que fosse presença, essa que faz falta, tanto, agora, como o cartão de visita, de contato, de reapresentação escrito a mão, pra dizer que somos outros e os mesmos de antes, que somos frágeis e fortes, frente e verso, versos de uma poesia vendida na avenida em cartão colorido, belo, barato como o batom que veio de brinde pra brilhar boca de beijar o cartão no final da mensagem de amor.
Ilustração: Joana Rosa Bragança
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