29 janeiro 2021

DIGNIDADE


 

Por indicação de minha fisioterapeuta, comprei o livro Dignidade, li-o imediatamente, apesar de não ser indicado para nos deixar mais felizes e sim para tomarmos consciência de quem e como somos.

Gosto muito de livros, sobretudo os que me fazem refletir para além da ditadura de felicidade que nos cerca e não faz acreditar que seremos felizes o tempo todo. Não se iluda, a vida é mais complexa que dias felizes, no máximo conseguimos algumas frações de segundos em que nos sentimos bem e, quem sabe, felizes. Contudo, isso não é mágico e sim trabalhoso.

Em 2011, Médicos Sem Fronteira (MSF) completou 40 anos e, para celebrar a data, convidou nove escritores de diferentes nacionalidades para visitar projetos de ajuda humanitária que são desenvolvidos em alguns dos países mais pobres do mundo.

Esses escritores cederam seu tempo e talento para contar suas experiências filantropas e suas percepções do que viram e do que sentiram. Difícil imaginar essa vivência por meio do que li e como ela permaneceu nas vidas de cada um.

MSF é uma organização internacional, não governamental e sem fins lucrativos, que possui cerca de 20 mil profissionais e oferece ajuda médica e humanitária a populações de 65 países em situações de emergência, como conflitos armados, catástrofes, epidemias, fome e exclusão social. E, em 1999, a instituição ganhou o Prêmio Nobel da Paz.

Dignidade é livro que dói ao ler. Dói porque são escritas as dores de muitos que sequer imaginamos ou sonhamos. Eliane Brum, jornalista, escritora e documentarista gaúcha, foi nossa representante. Ela exprime o que representou esse convívio em um vídeo disponível no Youtube. Cada autor descreve e sente, a seu modo, o que vê e dá visibilidade ao invisível.

Muitas vezes, enxergar dói, porque o excesso de claridade sempre faz mal aos olhos. Se os olhos veem o que o coração sente, a menos que sua insensibilidade já o tomou conta. Entrar em contato com pessoas que sofrem a dor do descaso e os maus-tratos à saúde deve ser assustador, por isso ler já é impactante.

No primeiro texto, encontra-se uma entrevista realizada com Dr. Tharcise que relata: “o problema número um do Congo são os estupros”. Primeira frase você já é afetado e capturado para leitura que, por vezes, o faz chorar, o indigna ao lembrar que nossa espécie causa medo. Não há outra realidade, pois essa é nua e crua existência de muitas mulheres e meninas no Congo. Só no Congo?

Os textos transitam entre a realidade e a ficção e chamam atenção para a dramática forma de existir que muitos humanos estão condenados a uma vida trágica de sofrimento. Não há remédio que passe a dor da alma, a dor de existir, necessitando, teimosamente, seguir vivendo.

Ao ler esse livro, você tem a certeza de que o mundo não é cor-de-rosa. Costumo brincar que perdi meus óculos cor-de-rosa já faz algum tempo, talvez por esse motivo e mais a certeza de ser masoquista que li está obra.

Confesso que não fiquei mais otimista, porém minhas crenças são de que, se quisermos e desejamos, podemos mudar o mundo de alguns e que há poder em cada um tanto para o mal quanto para o bem.

Se nos dispusermos, poderemos mudar a nossa realidade. Essa é a aposta de muitos médicos que conheci nas páginas que li e que hoje vivem em mim e me fazem crer que, se salvarmos um humano, já representa muito.

Esses médicos, que cuidam dessas almas feridas e despedaçadas pela violência e pelo descaso de muitos que comandam nações, é louvável, uma vez que tenho por eles a admiração e meu mais profundo respeito.

Esses jornalistas estiveram lá e testemunharam cenas absurdas, comoventes e ricas de esperança. Acompanharam histórias fabulosas de gente que vive situações-limite. Também aprenderam sobre superação humana, sobre a dureza da vida e sobre as consequências da ganância, do ódio, do desprezo, da intolerância que habitam em nós.

Talvez tudo o que nossa humanidade precisa é de dignidade com uma dose absurda de paixão porque só apaixonados mudam o mundo.


 [Maria Emília Bottini publica no Rua Balsa das 10 aos Sábados] 

 

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