22 janeiro 2021

SURDEZ NECESSÁRIA

 

 

       Gosto de ler livros infantis, gosto de trabalhar com histórias e ouvir histórias. Talvez tenha sido este gosto a definir minha profissão de escutadora de almas que por vezes estão aprisionadas e maltratas na jaula feita de pensamentos.

       “A corrida dos sapinhos” a conheço de muitos idos, a reencontrei entre caixas de tralhas, nem lembrava mais dela, mas ressoou dentro de mim mais uma vez.

       Era uma vez uma corrida de sapinhos. Eles tinham que subir uma grande torre e atrás havia uma multidão. Muita gente que vibrava com eles.

       Começou a competição. A multidão dizia:

       - Não vão conseguir, não vão conseguir!!

       Os sapinhos iam desistindo um a um, menos um deles que continuava subindo.

       E a multidão continuava a aclamar: vocês não vão conseguir, vocês não vão conseguir...

       E os sapinhos iam desistindo, menos um que subia tranquilo, sem esforços. Ao final da competição, todos os sapinhos desistiram, menos aquele.

       Todos queriam saber o que aconteceu e quando foram perguntar ao sapinho como ele conseguiu chegar até o fim, descobriram que ele era surdo.

       Moral da História:

       Quando se quer fazer algo que precise de muita coragem não devemos escutar as pessoas que falam: você não vai conseguir, devemos buscar dentro de nós as forças necessárias para avançar e fazer a melhor corrida possível.

       Tenho escutado muito esta historieta ultimamente em versões variadas.

       Uma delas diz respeito a um professor que tenta propor uma nova metodologia e seus colegas, ou mesmo alunos a ressoar que não vai funcionar. Um trabalhador que tenta dar dicas de como melhorar a produção e o chefe a dizer que não vai dar certo antes mesmo da explanação ser concluída. Um desfile comemorativo é organizado na cidade e uma multidão torce para que chova, para que algum acidente aconteça, para que não se concretize a beleza da comemoração. Ou mesmo a cidade que poderiam fazer algo para melhorar a educação de seus motoristas e pedestres e muitos a protestar que tudo está sob controle e que sempre foi assim e sempre será.

       Por vezes é preciso distanciar-se de pessoas que não percebem algumas oportunidades de mudança, que não possuem o olhar para o novo porque se assustam, a acomodação dá estabilidade e a mesmice dá segurança.

       Não estamos falando de grandes revoluções, estamos falando de pequenas mudanças, talvez as mais trabalhosas. Para os acomodados tudo está bem como está, se enganam mantendo uma ordem forçada, acreditam que seja mais fácil.

       Alerto aos que pretendem fazer alterações de rota que é preciso optar pela surdez necessária, ou seja, ignorar comentários que desestimulem, que nos façam travar, parar, desistir. Ou ficamos na arquibancada ou seguimos a corrida.

       Se tens uma ideia e acredita nela, siga em frente. Só apaixonados e indignados mudam o mundo, porque ignoraram as frases que desestimulam, fingem surdez. Muitos estão de plantão para dizer que as coisas não vão funcionar, que não vai dar certo. Os inconformados se perguntam, mas por que as coisas são como são? Não há nada que se possa fazer?

       Por vezes dá vontade de desistir da corrida, mas se todos desistem, todos perdem, é preciso uma dose de folego extra para seguir em frente, nem sempre o resultado é o esperado, mas houve a tentativa e isso acrescenta no processo de aprendizagem para novas investidas. Insistência teimosa de seguir correndo, faça a sua parte quem sabe alguns se juntam e ajudam e construir novos caminhos. Não espere multidões aplaudindo. Siga adiante sem crenças infantis de que será fácil, a torcida grita alto e em bom tom. Persista, mas se não estiver convicto, sente-se na arquibancada e faça coro com outros que já desistiram e apenas veem a vida passar repetidamente igual.

       Não quero estar sentada na arquibancada, prefiro a corrida, o movimento, mesmo que canse, desgaste e dê muito trabalho. Fiz algumas corridas desafiadoras neste percurso de viver, de algumas eu desisti, não valia a pena e dei um tempo, outras me renderam alegrias do dever cumprido de ter feito o que eu devia fazer. 

 [Maria Emília Bottini publica no Rua Balsa das 10 aos Sábados] 

 


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