CADA DIA MAIS
Bateu uma insegurança, uma sensação de malfeito, mesmo uma
culpa de não ser bom o suficiente, de dar muito menos do que sempre recebeu.
Comentou com amigos que sentia este desconforto moral, psicológico, espiritual,
que achava que não amava os homens como devia, que se retraía muitas vezes
diante da penúria. Buscava ampliar suas ações de ajuda, não negava doações
pedidas em nome de boas causas, de mitigar fome, de tratamentos especiais, dava
um dia de voluntariado num orfanato cozinhando e lavando chão e banheiros. Fazia
compras para cozinhas que alimentavam população em situação de rua. Tinha uma
ex-namorada que era Assistente Social de um mega projeto que tinha parceria com
a Prefeitura e que vivia solicitando seus préstimos, mas a cada vez se sentia
mais confuso e angustiado. Eram muitos os “assistidos”, e os rostos eram
recorrentes nas filas de ajuda. Nunca parecia haver solução! Tudo muito
paliativo, famílias na rua sem emprego, sem teto, sem educação. Gravidezes sem
acompanhamento, muitas vezes com doenças
maternas evitáveis, outras com uso de entorpecentes que ajudavam a mudar
a visão do mundo cruel onde estes seres humanos sobreviviam.
Já não era criança e
sua aposentadoria não era muita, pagava suas contas e guardava um pouco num
sonho de uma viagem num futuro não muito distante. Sem filhos e agora viúvo,
tinha na ex-namorada uma amiga mas o convívio não amainava as dores da sua alma.
Ela tinha seu emprego no projeto, lidava com os problemas durante o trabalho e
vivia com a família cheia de vigor e alegria. Ele se sentia definhar de
compaixão, de culpa e medo do que poderia ser o seu mundo com tanta
desigualdade. Queria sanar estas dores, mas só se fosse onipotente, e se sabia
limitado. Mas até seus defeitos (que todos têm, se dizia) eram mais pesados pela
sua impossibilidade de ser melhor.
Sob orientação
resolveu fazer terapia mas o que gastava nas consultas pesava mais por não
estar revestido e investimento no outro. Até que um dia levou isto na consulta
e foi agraciado com um comentário confortador: “Se você estiver mais feliz,
mais dono de si, mais seguro, isto libertará seu coração para um trabalho melhor
com o próximo” . não foi totalmente curativo, mas deixou a culpa do gasto consigo
de lado. E... salvou a poupança da viagem que um dia faria.
E por 3 vezes na
semana continuou se dedicando ao trabalho voluntário, colocando o seu fazer na
medida do seu poder fazer. E conseguiu seus momentos de gratidão pelo que
tinha, sem culpa, e de felicidade sem cobrança. Claro que sabia que recaídas
acontecem, mas a ajuda viria.
Maria
Lúcia Futuro Mühlbauer
Escreve às
segundas-feiras
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