A médica
residente entrou no quarto às oito e meia, antes do lanchinho das nove. A
menina de olhos amarelos ainda estava na cama, sentia muito frio para tomar
banho no chuveiro gelado do quarto ou para levantar-se. A brinquedoteca ainda
estava fechada, naquele dia, e ela só costumava se animar quando o local estava
aberto. Nos fins de semana, quando a brinquedoteca não abria, era uma tortura
para ela aguentar o tempo passar, nos outros dias até parecia que não percebia
que estava no hospital, apesar das dores, das punções, dos exames, das
medicações, da comida que não suportava, das muitas regras.
A médica sorria,
tentando chamar atenção da menina, que não estava mesmo animada:
- Olha o que eu
trouxe...
Disse a médica,
enfiando a mão no bolso do jaleco e tirando jujubas coloridas e balas de
gelatina em forma de ursinhos.
- ... eu não
disse que ia contrabandear?
A menina sorriu
sem conseguir esconder a tristeza. Estendeu as mãos para pegar os doces,
parecia mais agradecida pelo gesto do que pelo doce e não queria parecer mal
agradecida. Pai e mãe insistiam que deveria ser uma menina agradecida. Se não
demonstrasse estar satisfeita naquele momento, mesmo sem conseguir pensar em
comer o doce, certamente teria que ouvir discurso quando as médicas
saíssem. Discurso essa hora, ninguém merece. Deve ter pensado.
- Não
deixe a nutricionista ver...
Disse a
residente, pouco mais do que uma menina ainda, talvez sentindo-se fazendo uma
travessura ao desobedecer às regras nutricionais do hospital.
- Vou esconder...
Respondeu a
menina dos olhos amarelos com um sorriso cumplice na boca e um brilho diferente
nos olhos, apesar do mal humor matinal.
[Ernande Valentin do Prado publica no Rua Balsa das 10 às
6tas-feiras]
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