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Corações coloridos. Alice, 2017. |
Ernande
Valentin do Prado
A copeira
encontrou o homem no corredor, em frente a brinquedoteca, quase chegando à
porta do elevador. O reconheceu de imediato, pois lhe entregava a dieta todos
os dias:
- Sua filha
comeu hoje?
Não comeu nada,
disse o homem. A mulher, de baixa estatura, parecia ainda menor com aquela
touca branca na cabeça, observou o homem, mas não disse nada. Sentia-se
profundamente cuidado pelo interesse legitimo da mulher em saber de sua filha,
coisa que não sentia da parte da maioria das médicas e das enfermeiras.
- Com fé em Deus
ela logo vai melhorar...
Disse a mulher,
escondida atrás de seu carrinho cheio de bandejas, pratos, talheres.
- ... depois
passo lá no quarto e levo o suplemento de morango, sei que ela gosta.
O homem ficou
olhando a copeira caminhar pelo corredor empurrando aquele carrinho que parecia
pesado. Sentiu os olhos encher de lagrimas, comovido pela atenção da mulher.
Amargamente pensou: por que a maioria das enfermeiras não podem ser
assim?
Ao entrar no
quarto a filha estava chateada. A mãe teve que sair antes do esperado e não deu
tempo de fazer as tranças no cabelo.
- Sei de uma
pessoa que faz tranças lindas...
Disse a
enfermeira, até então em pé no canto do quarto, escondida atrás de uma máscara
e uma prancheta.
A menina fez que
não ouviu. A enfermeira fez que não falou nada. Saiu do quarto. A menina foi
para o banheiro, tomou banho, vestiu-se, penteou os cabelos insatisfeita,
querendo brigar com todos que entrava no quarto, inclusive com o pai.
No corredor
passou uma senhora, técnica de enfermagem da mais antigas do hospital. Entrou
no quarto, disse que sabia fazer tranças, perguntou se a menina queria. Ela não
respondeu, estava desgostosa demais para admitir alguma coisa, mas não resistiu
quando a mulher pegou em seu cabeço e fez as tranças.
No dia da alta,
antes de ir embora, a menina procurou a técnica que sabia fazer tranças, queria
se despedir dela. Não achou, mas deixou um abraço. A copeira ganhou um abraço
bem apertado, antes da menina seguir seu caminho pelo corredor, sem olhar para
trás.
[Ernande Valentin do Prado publica
no Rua Balsa das 10 às 6tas-feiras]
Partes já publicadas:
Partes a publicar:
9 Contrabando
10 Brinquedoteca